segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A “inclusão” conduz ao pior

A inclusão causa o pior
Escrito por Prof. Rinaldo Voltolini


PUBLICADO EM 
http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=331:a-inclusao-causa-o-pior&catid=36:especial&Itemid=46

Para os que estão familiarizados com o ensino de Lacan logo se percebe que o título deste texto parafraseia o aforismo, por ele criado, sobre a psicoterapia: a psicoterapia conduz ao pior.
A opção pelo estilo aforismático conjuga ao mesmo tempo uma estratégia impressionista (choca-se com seu enunciado além de preservar um ar enigmático sobre sua enunciação) e um certo pedido de tolerância, uma vez que é necessário esperar os argumentos que tornarão compreensível este “ponto de chegada” que é o enunciado aforismático.
Para os que não estão familiarizados com o ensino de Lacan advirto, de saída, que esta frase: conduz ao pior não é um juízo moral sobre a política de inclusão, embora nunca se possa escapar completamente do risco de que assim seja tomado.
Até porque, justamente por estar ligado, desde a origem, a uma tomada de partido , gesto sempre político, delimita um certo campo entre os que são a favor ou contra.
Não me refiro, evidentemente, a partido enquanto organização institucional específica mas, essencialmente, enquanto representação de um grupo ou classe.
Ao seguir os comentários de Freud sobre a resistência à psicanálise, bem poderíamos dizer que, em geral, a Psicanálise “desagrada” a gregos e troianos, tanto a esquerda quanto a direita.
Os que se colocam contra a política de educação inclusiva (situados portanto,à direita), de hábito se respaldam no paradigma: para pessoas diferentes, tratamentos diferentes.
Paradigma que, de certa forma, referendou a concepção do chamado ensino especial, baseado na intervenção especializada feita por especialistas capazes de lidar com as deficiências e suas conseqüentes limitações impostas aos indivíduos.
Prática marcada pelo:
- reducionismo tecnicista: na medida em que ao acentuar a importância da intervenção técnica para reparar ou compensar um déficit gerado pela deficiência, reduz o indivíduo a sua função lesada, bem como, concebe a proposta educativa dirigida a eles, confundindo educação com readaptação;
- objetalização do sujeito: uma vez que muito marcada pela idéia de tratamento coloca o acento na relação mediada cientificamente. Ou seja, como é característico de toda ciência se organizar em torno de um objeto, logo a relação com a criança tende a ser objetalizante;
- desistorização e desresponsabilização do sujeito: visto que a proposta de um regime institucional especial de atendimento, a semelhança do que se passa nos hospitais psiquiátricos, coloca o diagnóstico à frente do sujeito, fazendo assim com que a leitura e a compreensão de seus atos e o delineamento de seu destino sejam definidos a partir de sua pertença institucional. O que ele faz, faz porque é deficiente.

Nada neste paradigma poderia encontrar o endosso da Psicanálise.Não reduz à técnica, uma vez que se coloca como ética; não objetaliza o sujeito porque, ao contrário, propõe subjetivá-lo; e não desistoriciza nem desresponsabiliza, pois, exatamente, tenta compreender e intervir no sintoma do sujeito ligando-o à sua história e implicando o sujeito nele.
Tomar a Psicanálise como sendo contra a inclusão ou mesmo a favor do que já estava aí em termos de política educativa é um equívoco completo.
A proposta de uma política inclusiva, na medida em que se desenvolve como resposta a uma política “meritocrática” construtora de elites, uma vez que elege certas características e não outras como dignas de mérito, encontra vários pontos de cotejamento com a ética da cura psicanalítica.
Curar para a psicanálise não significa normalizar ou adaptar alguém a um status-quo senão desadaptá-lo de si mesmo. Significa ajudar o sujeito a romper com o que faz sofrer e não leva-lo a funcionar como o que se espera dele (razão esta que, em geral, é o que leva o sujeito a sofrer).
Nesta medida não se trata de eleger virtudes a serem atingidas através da análise, que seriam estas e não outras, dignas de mérito, mas muito mais de confrontar o sujeito com aquilo que o diferencia radicalmente de qualquer outro, aquilo que lhe é próprio (não no sentido de que ele possui, mas a que ele, e só ele, de um modo único está submetido).
É, portanto, muito mais vetorizada por uma política de respeito às diferenças (singulares e não tipológicas) do que por uma prática que acentua as semelhanças favorecendo a homogeneização e/ou a tipologização.
A nosografia criada por Freud é explicitamente inclusivista já que distribui categorias que englobam todos, não só os anormais. Não está fundada numa concepção diferencial valorativa que marca com um + ou um - a característica em questão, estabelecendo uma comparação que hierarquiza.
Não está fundada na idéia de déficit mas sim na de estilo , por isso trabalha muito mais no registro da história do que do desenvolvimento.
Se comparamos a história de um país com a de outro vemos apenas diferenças que podem ser comemoradas ou lamentadas, mas jamais hierarquizadas, ao preço de incorrer num etnocentrismo.
Ao compararmos, entretanto, a partir de um enfoque desenvolvimentista, a diferenciação ganha um caráter hierarquizante, uma vez que o desenvolvimento supõe graus do imaturo para o maduro, do pior para o melhor.
De outro lado os que são a favor da inclusão se apóiam na idéia de que o mecanismo social de excluir é o fator fundamental a ser combatido, uma vez que ele seria em grande parte o responsável pela perpetuação dos deficientes na condição de deficientes, já que isso cumpriria um papel na manutenção do status-quo.
De fato não deixa de ser verdadeiro (e que já está suficientemente demonstrado em obras como as de Basaglia e Mannoni) que a institucionalização é parte em causa daquilo que ela institucionaliza. A loucura compreendida dentro do hospital psiquiátrico não pode ser lida como A loucura (cf. Foucault Doença Mental e Psicologia), visto que sua institucionalização é parte determinante na conduta do chamado louco.
Fundada numa perspectiva emancipatória que aposta que através da Razão o homem pode superar suas condições de miséria construídas historicamente e, portanto, superáveis historicamente, a proposta inclusiva irá pautar-se pelo esclarecimento do ideológico e pelo estabelecimento de leis e políticas que delineiam uma nova perspectiva social.
Aqui novamente encontramos algo difícil de ser endossado pela Psicanálise.
Lembremos, de passagem, a escanção que fez Lacan da palavra revolução, em resposta às críticas dos estudantes em maio de 68. Re-evolução: evoluir para voltar ao mesmo lugar.
Dizia ele ainda que se é uma nova ordem que se quer é o que se vai ter, uma nova ordem, ou seja, uma repetição inevitável do antigo.
Não é preciso ir muito longe para se compreender o que está dizendo Lacan.
Trata-se de demonstrar a ilusão presente na idéia de superação enquanto entendida como uma nova ordem que rompe com a anterior (especialmente quando envolve o coletivo).
A temporalidade e a causação são entendidas por Lacan sempre a partir da perspectiva de alienação e separação. O que implica uma relação intrínseca e lógica entre o novo e o velho. É sempre em relação ao velho que algo pode ser dito como novo.
Então esperar e trabalhar na construção de uma nova ordem social, não poderia desconsiderar que a visão de um futuro se modela por um passado que repete que insiste e que portanto, marca o presente e o futuro, não como ele de fato será, mas como de que maneira andamos em direção a ele.
Uma nova ordem não pode não ser sobredeterminada pela antiga; o novo, assim como nenhuma outra coisa, não nasce dele mesmo.
O que não quer dizer, evidentemente, que para a Psicanálise tudo gira em círculos e não saímos nunca do lugar. Isto seria fazer da Psicanálise uma escatologia negativa que serve para proclamar o retorno ao pior. Para Freud algo se transforma, não propriamente pilotado pelo sujeito ou pela sociedade, mas na confrontação entre o que retorna buscando perpetuar-se e um real que se lhe impõe fazendo limite.
Outro ponto ainda, importante, é a noção de inclusão.
Com Lacan diríamos que isso implica em si num problema lógico:não se pode fazer um grupo onde estejam todos, sempre ficará alguém de fora que é o que possibilita definir os outros como grupo. É o ao-menos-um , a exceção que permite que haja uma ordem que organiza os outros.
Isto seria irredutível desde de o ponto de vista de uma política qualquer.
Nenhuma sociedade democrática existente, por mais desenvolvida que seja, conseguiu eliminar de seu seio a desconfiança de que há alguém no sistema, que tem privilégios, pela prerrogativa de um lugar que ocupa, sendo o ao-menos-um que goza de um modo que não é acessível aos outros. Ou ainda, uma desconfiança no forasteiro, ou seja, o que não é do grupo.
E isto porque são coisas que se organizam desde a estrutura inconsciente e que, portanto, não seriam superáveis pelo esclarecimento ou pela conscientização.
Uma proposta fundada, então, num para-todos, não poderia senão promover um alargamento da borda entre os que estão dentro e os que estão fora.
O que a proposta de política inclusiva fará com a nova minoria que ela mesmo criará? Essa seria uma pergunta bem psicanalítica.
Bem se vê que os que quiserem, de modo simples, localizar a Psicanálise tomando o partido da esquerda ou da direita esbarrarão numa dificuldade inevitável: sua atopia.
A política de educação inclusiva tem tido freqüentemente um efeito de dividir os que nela estão envolvidos, numa polarização de contra e a favor, muito embora, é claro, os que estão contra, não deixam de ter receio em expressar sua opinião sob pena de ferir o 
politicamente correto. A frase paradigmática é: a inclusão é muito boa, mas...
Essa polarização reflete uma dualidade do tipo eu/não eu que, como sempre ocorre quando se exclui um terceiro, desencadeia agressividade .De fato o termo luta presente na idéia de luta de classes traduz bem isso. De outro lado o enamoramento de si próprio cada vez mais reforçado pela oposição comum ao outro lado (narcisismo das pequenas diferenças).
O que fica excluído em ambos os casos, e isso não é sem conseqüência, é um real a que ambos os lados da polarização estão igualmente submetidos.
Por isso a discussão sobre inclusão tende a transcorrer mais como um debate (ou combate) onde o importante é a defesa de opiniões e menos como um enfrentamento do real, neste caso o real da diferença irredutível destes indivíduos, impossível de ser eliminado seja com a política da escola especial, seja com a política da escola inclusiva.
Talvez se possa esperar que a partir justamente de sua atopia a psicanálise possa entrar aí, não para debater, o que só repetiria o jogo da polarização, mas para confrontar com esse real, o que sempre lhe é mais característico. Se assim for ela pode funcionar como esse terceiro que entra para esvaziar o campo das certezas (opiniões), das garantias para instalar o campo das interrogações da causação do desejo de saber.

Conduz ao pior

A expressão conduz ao pior, cunhada por Lacan de algum modo já estava antecipada na observação de Freud sobre os políticos. A propósito de Woodrow Wilson (1990) diz Freud:

“ Mas, quando, como Wilson, um homem realiza quase o contrário do que ele desejaria cumprir, quando ele provou que é a verdadeira antítese da força que ‘ deseja sempre o mal e cria sempre o bem ’, quando sua pretensão de livrar o mundo do mal não consegue senão dar uma prova suplementar do perigo que um fanático faz correr ao bem público, não se pode espantar que o observador guarde uma desconfiança que torne a simpatia impossível.” ( tradução nossa)

É este “criar o mal em nome do bem” que permite o ar provocativo no aforisma lacaniano.
No caso da psicoterapia, de modo simplificado, diríamos que se trata da identificação com o analista. É esta estranha cooptação que buscaria levar o paciente a considerar-se curado quando cumprisse certos requisitos de virtude considerados como tal pelo analista. Estamos aqui, sem ressalvas, no âmago de um sistema meritocrático: a cura vira uma conquista.
Mas Lacan não tornou exclusivo à psicoterapia o uso de expressão conduz ao pior.
Como salienta Alemán (2000) :

“ Em relação a este ponto, não podemos evitar assinalar que Lacan, em distintos momentos, não duvidou em vaticinar o retorno ao pior. Inclusive naquelas circunstâncias históricas que podiam propiciar o otimismo. (...) .Designar como fatalidade esses retornos, seria renunciar de entrada a esclarecer a lógica que os governa, retroceder com respeito ao ponto de vista freudiano que sempre quis indagar que tipo de satisfação libidinal se cumpre no retorno do pior e se a mesma pode ser transformada em sua eleição.” (tradução nossa)

Evidentemente que não haveria exageros em considerar a política inclusiva como uma dessas circunstâncias que mobilizam o otimismo.
E se quiséssemos ainda tomar um caminho econômico no desenvolvimento desta idéia bastaria indicarmos o uso do termo incluídos no discurso das escolas para assinalar o pior que retorna aí.
Com efeito, se diz nas escolas: temos “X” alunos incluídos. Quantos incluídos vocês têm? Na minha sala tenho um só!”.
Um novo rótulo que serve para excluir, evidentemente.
Mas o ponto mais interessante a acentuar é outro, muito mais sutil e por isso bem mais pregnante.
É que de maneira interessante (mas não surpreendente, afinal trata-se das pequenas diferenças), em ambos os lados da polarização da discussão sobre a política inclusiva dá-se a mesma posição de destaque ao especialista.
No caso da educação especial de forma direta no trabalho com as crianças. No caso das escolas inclusivas de maneira indireta na formação dos professores para a nova realidade da inclusão.
O fato é que a ênfase na participação do especialista faz parte da estratégia moderna, que de um lado investe na gestão dos problemas sociais através de medidas administrativas e do estabelecimento de políticas gerenciáveis e, de outro lado, que vê no saber científico enquanto oferece técnicas o instrumento para isso.
Quando se ouve dos professores um pedido de formação especializada, estamos diante da explicitação deste ponto, ou seja, da crença na gestão tecnicamente orientada do problema.
Mas notemos aqui, de passagem, uma conclusão fundamental retirada de todo desenvolvimento lacaniano da questão da análise, particularmente expressa na discussão sobre a psicoterapia: a técnica (essencial na psicoterapia) fecha o inconsciente.
De um certo modo podemos julgar todo o desenvolvimento posterior da psicoterapia depois de Freud, uma psicoterapia que diz seguir a teoria freudiana, mas propõe mudanças na sua técnica, como um movimento de resistência às conseqüências da formulação do inconsciente.
Não seria mesmo por isso que Lacan perfaz todo o seu percurso chamado de retorno a Freud desfazendo uma tecnicização galopante destinada a assegurar um status do psicoterapeuta como portador de uma técnica de cura? Não seria também por isso que Lacan insiste em marcar a Psicanálise como ética, quando discute sua cientificidade para coloca-la mais como uma postura diante do discurso do que como uma técnica de manipulação dele?
A técnica fecha o inconsciente porque tende a definir a priori o que deve ser escutado e o caminho a ser seguido, o que reduz os caminhos singulares. Ela busca promover um Bem.
A figura do especialista, portador de um saber e de uma técnica, se apresenta no campo da gestão da política inclusiva, chamado a dar respostas a um problema que tem uma historicidade. Ele é chamado a tratar o real pelo simbólico , aliás, como também o faz um analista.
A diferença é que para o especialista, este real pode ser dominado com o saber científico e transformada na direção do Bem, neste caso, uma sociedade menos desigual.
A premência do Bem é que fecha o inconsciente. Como salienta Alemán (ídem)

“ O fechamento do inconsciente que depende de certas condições de satisfação, involucra o amor de transferência; isto nos indica que o que as vezes se deposita nos ‘especialistas’ é uma das figuras comtemporâneas da barbárie. Nesta particular barbárie, onde ‘a psicoterapia conduz ao pior’ , se juntam a dor, o amor e a servidão voluntária. Os indivíduos se constituem no material disponível que consome as distintas ofertas terapêuticas, as que oferecem tratar o mal-estar assegurando que o sintoma se desconecte do inconsciente e seu trabalho de deciframento.” (tradução nossa)

A presença dos cursos de reciclagem na formação de professores indica bem essa colocação de indivíduos como material disponível que consome as ofertas terapêuticas e ao mesmo tempo desconectando o mal estar do inconsciente e seu deciframento.
Como falar de respeito às diferenças numa sociedade que via globalização tende cada vez mais à homogeneização através do consumo?
Como tratar a tendência a excluir, a hostilizar o estranho e que retorna como o pior na dinâmica da política da educação inclusiva?
Como responder ao acréscimo de mal-estar gerado nos professores através da proposta inclusiva, resultado evidente de uma ferida narcísica expressa pelo não sei como fazer , tão comum nos dias de hoje e que mais uma vez recoloca os professores como alunos?
O que Lacan anota sob a rubrica do Discurso do capitalista é que ele se fecha sobre si mesmo numa circularidade que faz crer que ele mesmo pode produzir as respostas para suas contradições. No discurso capitalista o desejo é rebaixado à categoria da necessidade fazendo-nos crer que como se trata de necessidade há sempre um objeto que lhe corresponde.
Nunca é demais notar como nem toda vigilância terminológica foi capaz de alterar o termo necessidade presente tanto no crianças com necessidades especiais, com no crianças com “necessidades” educativas especiais, etc.
O discurso do capitalista é o único discurso que não tem um avesso. Isso marca seu movimento autista, seja porque se estereotipa, gerando círculos sem aceder a uma significação, seja porque tende a impossibilitar o laço social.
De certo que a questão da diferença que estas crianças excepcionais (ou seja, elas marcam a regra na medida em que estão fora dela) recebe numa tal dinâmica capitalista um tratamento específico: temos que prepara-los para a produção e o consumo,
De fato talvez caiba à Psicanálise fazer a confrontação com este real ineludível da diferença. 



Bibliografia:

Alemán, J. , Jacques Lacan y el debate posmoderno, Ed. Filigrana, Buenos Aires, 2000

Freud, S. Et Bullit, W. , Le Président T.W. Wilson, Petite Bibliothéque Payot, Paris, 1990

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O SABER ENGANOSO E A ANGÚSTIA - RINALDO VOLTOLINI



Rinaldo Voltolini, psicanalista, é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). É mestre e doutor em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP (Ipusp), com pós-doutorado em psicogênese e psicopatologia na Universidade de Paris XIII.

O texto abaixo foi publicado no site Educação on line, link http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=336:o-saber-enganoso-e-a-angustia&catid=36:especial&Itemid=46


O SABER ENGANOSO E A ANGÚSTIA

Um encontro com o real, um acontecimento inesperado e, como resultado, o desamparo e a impotência dele conseqüente.
Talvez uma boa definição do que é a angústia para a Psicanálise seja a da queda das referências que para um sujeito balizam sua relação com o Outro, não restando-lhe outro destino neste momento senão o de ser afetado pelo Real.
O desamparo, conseqüência inevitável deste encontro, já foi bem formulado pelo dito proverbial: fiquei sem pai nem mãe. Pois bem, é mesmo disso que se trata, ficar sem referências.
Talvez pudéssemos considerar como razoável a hipótese de que Lacan tenha tomado o tema da angústia como objeto de seu trabalho durante todo um ano por razões viscerais, embora isso não descarte as razões de princípio com o que ele sempre gostou de afirmar que escolhia seus temas de trabalho, escolha essa que ele não admitia que atribuíssem ao aleatório de suas conveniências ou caprichos pessoais.
O fato é que ele fala sobre a angústia um ano depois de falar sobre identificação e um ano antes de seu seminário sobre os conceitos fundamentais da Psicanálise e, portanto, num momento em que , de certa maneira, já estava em curso o processo que desembocaria na sua não-admissão como membro da escola criada por Freud. Parece possível conjecturar que ele estivesse um pouco sem pai nem mãe.
Consta que o seminário que ele pretendia dar em seguida ao da angústia seria intitulado: Os nomes do pai. De qualquer modo uma alusão a como se constroem as referências.
É a mesma interpretação que permitiu a alguns imaginar que de maneira disfarçada, dado que ele declarou que jamais daria este seminário e que o substituiria por outro, ele teria trabalhado o tema falando dos conceitos fundamentais, fora dos quais não se poderia reconhecer referido a Freud.
Estar referido a Freud foi uma marca do ensino de Lacan. Este seminário sobre a angústia foi, como vários outros, uma resposta a uma objeção que faziam a seu ensino no sentido de dizer que ele se afastava de Freud por não considerar o aspecto afetivo.
Seria o mesmo Lacan que iria formular, seguindo os passos de Freud no texto sobre Leonardo da Vinci, que não se constrói objetivamente um conhecimento sem que intervenha para isso a objetalidade construída propriamente através da sexuação do sujeito.
Há muitas conclusões a se retirar da sagacidade de Freud na análise que fez do apetite de saber, especialmente através de Leonardo da Vinci.
Quando é levado a afirmar, por exemplo, que as teorias sexuais infantis são tentativas de tornar familiar o estranho está passando pelo tema da angústia, talvez de maneira muito mais precisa e fecunda (de todo modo assim acreditava Lacan), do que quando se expressa diretamente sobre ela, como por exemplo, no texto Inibição, Sintoma e Angústia.
E se ele pode afirmar, em seguida, que não se trata, para o pequeno investigador, de paixão pelo saber, se não de um fim bem pragmático: tentar prevenir um acontecimento indesejado, é porque pôde perceber a relação estreita entre objetivizar o conhecimento e evitar a angústia. Angústia inevitavelmente produzida no encontro com o real, lugar onde, por definição, sempre faltam palavras, sempre falta saber.
Dizermos que a angústia é o afeto que não engana permite-nos conjecturar que há algo que nos engana e que buscamos para nos safarmos dela.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


Mais ou menos assim!!

Hoje A-COR-DEI e me senti ávida por escrever e escrevi!!

De volta aqui para partilhar as leituras e escritas!!!!