sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O SABER ENGANOSO E A ANGÚSTIA - RINALDO VOLTOLINI



Rinaldo Voltolini, psicanalista, é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). É mestre e doutor em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP (Ipusp), com pós-doutorado em psicogênese e psicopatologia na Universidade de Paris XIII.

O texto abaixo foi publicado no site Educação on line, link http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=336:o-saber-enganoso-e-a-angustia&catid=36:especial&Itemid=46


O SABER ENGANOSO E A ANGÚSTIA

Um encontro com o real, um acontecimento inesperado e, como resultado, o desamparo e a impotência dele conseqüente.
Talvez uma boa definição do que é a angústia para a Psicanálise seja a da queda das referências que para um sujeito balizam sua relação com o Outro, não restando-lhe outro destino neste momento senão o de ser afetado pelo Real.
O desamparo, conseqüência inevitável deste encontro, já foi bem formulado pelo dito proverbial: fiquei sem pai nem mãe. Pois bem, é mesmo disso que se trata, ficar sem referências.
Talvez pudéssemos considerar como razoável a hipótese de que Lacan tenha tomado o tema da angústia como objeto de seu trabalho durante todo um ano por razões viscerais, embora isso não descarte as razões de princípio com o que ele sempre gostou de afirmar que escolhia seus temas de trabalho, escolha essa que ele não admitia que atribuíssem ao aleatório de suas conveniências ou caprichos pessoais.
O fato é que ele fala sobre a angústia um ano depois de falar sobre identificação e um ano antes de seu seminário sobre os conceitos fundamentais da Psicanálise e, portanto, num momento em que , de certa maneira, já estava em curso o processo que desembocaria na sua não-admissão como membro da escola criada por Freud. Parece possível conjecturar que ele estivesse um pouco sem pai nem mãe.
Consta que o seminário que ele pretendia dar em seguida ao da angústia seria intitulado: Os nomes do pai. De qualquer modo uma alusão a como se constroem as referências.
É a mesma interpretação que permitiu a alguns imaginar que de maneira disfarçada, dado que ele declarou que jamais daria este seminário e que o substituiria por outro, ele teria trabalhado o tema falando dos conceitos fundamentais, fora dos quais não se poderia reconhecer referido a Freud.
Estar referido a Freud foi uma marca do ensino de Lacan. Este seminário sobre a angústia foi, como vários outros, uma resposta a uma objeção que faziam a seu ensino no sentido de dizer que ele se afastava de Freud por não considerar o aspecto afetivo.
Seria o mesmo Lacan que iria formular, seguindo os passos de Freud no texto sobre Leonardo da Vinci, que não se constrói objetivamente um conhecimento sem que intervenha para isso a objetalidade construída propriamente através da sexuação do sujeito.
Há muitas conclusões a se retirar da sagacidade de Freud na análise que fez do apetite de saber, especialmente através de Leonardo da Vinci.
Quando é levado a afirmar, por exemplo, que as teorias sexuais infantis são tentativas de tornar familiar o estranho está passando pelo tema da angústia, talvez de maneira muito mais precisa e fecunda (de todo modo assim acreditava Lacan), do que quando se expressa diretamente sobre ela, como por exemplo, no texto Inibição, Sintoma e Angústia.
E se ele pode afirmar, em seguida, que não se trata, para o pequeno investigador, de paixão pelo saber, se não de um fim bem pragmático: tentar prevenir um acontecimento indesejado, é porque pôde perceber a relação estreita entre objetivizar o conhecimento e evitar a angústia. Angústia inevitavelmente produzida no encontro com o real, lugar onde, por definição, sempre faltam palavras, sempre falta saber.
Dizermos que a angústia é o afeto que não engana permite-nos conjecturar que há algo que nos engana e que buscamos para nos safarmos dela.

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