quarta-feira, 30 de abril de 2014
sábado, 26 de abril de 2014
LUDICIDADE E ATIVIDADES LÚDICAS: uma abordagem a partir da experiência interna PARTE 2
Cipriano Carlos Luckesi (CONTINUAÇÃO)
Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi
2.
Sobre as
atividades lúdicas e sua função no desenvolvimento interno de cada um
No que se segue, estaremos apresentando três
possibilidades de usos das atividades lúdicas na vida do ser humano, a partir
de três abordagens diferentes: psicanalítica, piagetiana e biossistêmica.
Poderiam ser outras --- tais como as de Wallon, de Vigotsky e outros ---, porém
escolhi estas três, que a meu ver, são suficientes para dar corpo à compreensão
que estamos estabelecendo de ludicidade.
A compreensão sobre as atividades lúdicas,
especialmente sobre a sua constituição sócio-histórica e sobre os seus papéis
na vida humana, tem origem em várias áreas do conhecimento. Assim, existe uma
história do brinquedo, uma sociologia do brinquedo, um estudo folclórico do brinquedo,
um estudo psicológico do brinquedo,... Desses estudos, retiramos algumas
conclusões que nos ajudaram e nos ajudarão a compreender o papel e uso das
atividades lúdicas na vida humana, tendo presente, neste texto, que estamos em
busca de compreender como, possivelmente, pode dar-se e operar internamente no
sujeito a vivência das experiências lúdicas.
2.1.
As heranças
freudianas
Freud compreendeu que o brinquedo[1] é
o caminho real para o inconsciente da criança, assim como o sonho é o caminho
real para o inconsciente do adulto. Ou seja, a experiência do brincar tem seu
lado interno; que se expressa no externo. A meta de Freud, como sabemos, foi
desvendar e compreender as operações do inconsciente através de suas
manifestações externas.
A partir daí, o próprio Freud[2] e
seus discípulos próximos e distantes, tais como Ana Freud (filha de Freud),
Melanie Klein[3], Bruno
Bettelheim[4],
D.W. Winnicott[5], Arminda
Aberastury[6],
André Lapierre[7] e tantos
outros produziram diversas compreensões psicanalíticas e possibilidades de usos
das atividades lúdicas.
A Psicanálise, em sua atuação terapêutica, aposta na
restauração do passado e na construção do presente e do futuro. Freud afirma
que temos em nós duas forças fundamentais: as forças regressivas, que nos atém
fixados no passado e as forças progressivas, que nos mantém voltados para o
futuro. As forças regressivas são aquelas que tem como seu epicentro as nossas
fixações neuróticas ou traumáticas do passado, que nos impedem ou dificultam o
nosso viver fluído no presente, assim como nossas aberturas para o futuro. Elas
se manifestam por nossas respostas emocionais automáticas do dia a dia, que nos
dificultam o estar bem conosco mesmos (intrapessoalmente) e em nossos
relacionamentos (interpessoalmente). As forças progressivas, por outro lado são
aquelas que nos chamam para o futuro, para as nossas possibilidades de
organização pessoal e de ser[8].
No caso, nos interessa imediatamente, a questão dos
brinquedos, como caminho real para o inconsciente da criança. Nesse contexto, a
prática das atividades lúdicas pelas crianças, de um lado, revela como elas
estão, a partir de suas histórias pessoais, assim como revela o que sentem
sobre o seu presente cotidiano, seus medos, seus não-entendimentos do que está
ocorrendo, o que está incomodando,...; porém, de outro lado, essa prática
revela, também, a construção do futuro. Muitas atividades lúdicas das crianças
são de imitação do adulto, outras não imitam, mas constroem modos de ser[9].
Meio pelo qual as crianças estão, por uma parte, tentando compreender o que os
adultos fazem, e, de outra, experimentar as possibilidades de sua própria vida,
o que quer dizer que, através das atividades lúdicas, estão construindo e
fortalecendo o seu modo de ser, a sua identidade[10].
Neste contexto, por exemplo, ao brincar de “pai e
mãe”, as crianças, colocando-se nesses papéis, estão tentando saber o que é
isso de “ser pai e mãe”; ou, ainda outro exemplo, uma criança que passou por
uma experiência de hospitalização, possivelmente, por um certo período, após
sair do hospital, ela praticará brinquedos e brincadeiras que tenham como
conteúdo algum flash de sua experiência passada recente. Possivelmente,
brincará de médico, de enfermeira, de hospital, de ambulância e tantas outras
coisas, que poderão estar auxiliando a sua compreensão do que ocorreu com ela.
O mesmo ocorrerá com seus desenhos, com suas falas, com as estórias que
inventa,... Contudo, se, por outra via, for anunciada a uma criança que, em
breve, ela será hospitalizada para uma intervenção qualquer, é bastante
provável que ela inicie a usar brinquedos e brincadeiras relativos à saúde e
àquilo que vai ocorrer em sua vida (que são os procedimentos de
hospitalização), na tentativa de compreender o que foi anunciado a ela.
Todavia, essas manifestações do inconsciente nas atividades lúdicas poderão
também estar, e certamente estarão, vinculadas a experiências mais antigas, em
termos de história de vida pregressa.
David Grove, um
pesquisador norte-americano que criou uma técnica específica para trabalhar com
traumas através das metáforas, diz que estas (as metáforas) são as expressões
visíveis e observáveis dos traumas que estão fixados em nosso inconsciente;
como, por exemplo, “eu tenho um nó na garganta”, “carrego o mundo nas costas”, ou coisas
semelhantes. Eu acredito que as atividades lúdicas infantis são as metáforas,
que expressam a sua intimidade; elas falam de sua realidade interior através de
um caminho metafórico.
Se prestarmos atenção em nossos filhos e filhas, ou
nossos netos e netas, ou nossos alunos na escola, ou crianças em geral,
observaremos que seus atos, sempre, estarão comunicando alguma coisa. Para
entender essa comunicação, importa estar atento para o que elas querem dizer.
David Boadella diz que “como ponto de partida, é necessário reconhecer que é
impossível um indivíduo não se comunicar”[11].
Por vezes, será bastante fácil descobrir o significado dessa comunicação, por
outras vezes, será exigido mais atenção e esforço de nossa parte para proceder
essa compreensão. E, mais que isso, para aceitar a comunicação que está vindo
através de uma brincadeira, pois que nem sempre estamos preparados e dispostos
para acolher o que está ocorrendo. Por vezes, as brincadeiras de nossas
crianças nos desagradam, mas o que será que elas estão nos revelando, nos dizendo
ou querendo nos dizer? É isso que a Psicanálise nos ensina: observe como as
crianças estão brincando, seus atos estão revelando o seu interior.
Existe um famoso relato de Freud (neste momento, não
estou sendo capaz de identificar em que obra está), onde ele relata a
experiência de ter ido visitar um amigo e enquanto estava a sós com uma criança
pequena, observou que ela atirava um carretel de linha e, a seguir, puxava-o;
quando atirava o carretel, fechava o semblante e, quando o trazia de volta, abria
em sorriso. Após, atentamente, observar essa experiência, Freud realizou a
seguinte leitura: a criança estava tentando compreender como a mãe desaparecia
e, depois, aparecia novamente; e o sentimento de tristeza pelo afastamento da
mãe e a alegria pelo seu retorno. A experiência interna revelava-se em uma
manifestação externa. E foi a partir desse ponto que Freud fez sua leitura
interpretativa da experiência (certamente válida) da criança.
Mas, o ato de brincar não só é revelador do
inconsciente, ele também é catártico, ou seja, ele é liberador. Enquanto a
criança brinca, ela, ao mesmo tempo, expressa e libera os conteúdos do
inconsciente, procurando a restauração de suas possibilidades de vida saudável,
livre dos bloqueios impeditivos. E, por vezes, os bloqueios já estão tão
fixados, que eles impedem a criança até mesmo de brincar; fato este que estará
nos sinalizando para uma atenção mais cuidadosa para esta criança.
Por outro lado, as atividades lúdicas, por serem
atividades, na visão de Bruno Bettelheim, e eu pessoalmente concordo plenamente
com ele, são instrumentos da criação da identidade pessoal, na medida em que
elas, nessa perspectiva, estabelecem uma ponte entre a realidade interior e a
realidade exterior. Esse é o lado construtivo das atividades lúdicas. Pelas
atividades em geral e pelas atividades lúdicas em específico, a criança
aproxima-se da realidade, criando a sua identidade. O princípio do prazer
equilibra-se com o princípio da realidade, na criança, através das atividades
lúdicas. Elas são o meio pela qual as crianças fazem o trânsito do mundo
subjetivo simbiótico com a mãe para o mundo objetivo da lei do pai[12],
criando o seu modo pessoal de ser e estar no mundo, criando sua identidade
pessoal; ou se se quiser, sua individualidade. Assim sendo, o brincar, para as
crianças, não será só o caminho real para o inconsciente doloroso, mas também
para a construção interna da identidade e e da individualidade de si mesmo.
Será que as atividades lúdicas seriam o caminho real
só para a inconsciente e a identidade e individualidade da criança, ou do
adulto também? Vivenciar atividades lúdicas, tenho observado eu, é também um
caminho tanto para o inconsciente quanto para a construção de identidade e
individualidade saudável dos adultos. Por vários anos, venho ensinando e
trabalhando com atividades lúdicas com meus alunos na Pós-Graduação em
Educação, na Faculdade de Educação, da Universidade Federal da Bahia[13] e
tenho tido a oportunidade de ver como, também para adultos, as atividades
lúdicas podem ser um caminho real, ao mesmo tempo, para o inconsciente
reprimido assim como para a criatividade e, consequentemente, para a criação de
uma individualidade mais saudável. Ou seja, também para os adultos, as
atividades lúdicas são catárticas, o que quer dizer liberadoras das fixações do
passado e construtoras das alegrias do presente e do futuro.
Essa abordagem, a partir das contribuições da
Psicanálise, se integra na visão de ludicidade como possibilidade de vivência
da plenitude da experiência? Tomando por base os fundamentos do pensamento de
Wilber, que expusemos acima, podemos compreender que o que ocorre dentro da
criança configura-se no quadrante superior esquerdo, na dimensão do EU, a
dimensão interna. O que ocorre nessa dimensão, nós, de fato, não podemos saber,
a menos que a criança, de alguma forma,
nos revele. É a sua experiência interior. Os atos externos poderão ser
descritos comportamentalmente, mas a experiência interna é de quem a vive e nós
só podemos nos aproximar dela, da forma mais apropriada, pela partilha e, mais
distantemente, por uma analogia com a nossa própria experiência. Então, tendo
vivido experiências semelhantes, podemos compassiva e empaticamente, sentir o
que se passa dentro do outro. Seremos, então, ressonantes à experiência do outro
e, deste modo, poderemos, aproximadamente, compreender o que está ocorrendo em
seu interior. Ou pela interpretação, a partir de um olhar externo sobre as
manifestações da criança ou do adulto, enquanto vivencia sua experiência; mas,
aí, será sempre uma interpretação externa, ainda que, se for realizada com
cuidado e amorosidade, poderá ser muito útil no acompanhamento do processo de
desenvolvimento do outro.
Assim sendo, cada criança, adolescente, ou adulto,
enquanto vivencia uma experiência lúdica, a vivencia como experiência plena
dentro de si, em seu interior, contudo, externamente, podemos descrevê-la, o
que não necessariamente nos permitirá nos apropriarmos daquilo que se deu ou se
dá nessa experiência plena interna do indivíduo.
2.2. As heranças piagetianas
Em Piaget, os jogos são compreendidos como recursos
fundamentais dos quais o ser humano lança mão em seu processo de
desenvolvimento, possibilitando a organização de sua cognição e seu afeto,
portanto a organização do seu mundo interior na sua relação com o mundo
exterior.
O tema que Jean Piaget sempre se colocou, ao longo de
sua vida de pesquisas sobre a inteligência humana, foi: como se dá o
conhecimento? Como se constrói, no ser humano, o processo do conhecer? E sua
resposta permanente foi: através das atividades. O ser humano, como um ser
ativo, aprende por meio de sua ação. Age e compreende, por meio de uma
dialética de assimilação e acomodação em suas relações com o mundo exterior.
Assimilar significa tornar o mundo exterior semelhante ao mundo interior e
acomodar significa apropriar-se dos elementos do mundo exterior, evidentemente,
como eles podem ser apropriados com realidade pela ótica do sujeito. É nessa
dialética que se aprende e se desenvolve.
Evidentemente que os processos de assimilar e acomodar
não são tão lineares e mecânicos quanto as definições, acima colocadas, parecem
indicar. São processos profundamente complexos, pelos quais cada criança, cada
adolescente e cada adulto estabelece o seu modo de relações e constrói o seu
modo de agir e reagir, estando situado seja no contexto de sua intimidade, seja
em determinada realidade natural e/ou sócio-histórica. A assimilação é o meio
pelo qual tornamos o mundo exterior semelhante ao nosso mundo interior, aos
nossos sentimentos, aos nossos fantasmas, aos nossos conhecimentos. A
acomodação é o processo que nos permite desvendar o que não sabemos e que não
dominamos do mundo externo a nós mesmos e nos possibilita apreendê-lo,
cognitiva, mas, ao mesmo tempo, emocionalmente. A dialética entre esses dois
processos permite-nos a construção de nós mesmos e nosso modo de ser na vida e
no mundo, relacionados a nós mesmos, aos outros e a mundo material e cultural
que nos envolve.
Os processos de assimilação e acomodação, usualmente
operam dialeticamente, o que quer dizer que assimilamos para acomodar e
acomodamos para assimilar. Por exemplo, ao adquirir um novo aparelho de som
para minha casa, uma parte de como fazê-lo funcionar, eu já sei; assim sendo,
assimilo (assemelho) elementos desse objeto a elementos que já detenho como
conhecimento. Porém, tem uma parte que eu não sei; então, aprendo; é isso que é
acomodar-se, ou seja, integrar a parte do mundo exterior que ainda não está
integrada em mim, nessa experiência. Esse processo possibilita, permanentemente,
um aprofundamento do conhecimento cada vez que me detenho no objeto, com nova
assimilação e nova acomodação.
Em seu livro A
formação do símbolo na criança, Piaget[14]
trabalha com os jogos como os recursos ativos dos quais o ser humano se serve
em sua vida para construir-se a si mesmo, aprendendo a relacionar-se com o que
está fora e em torno de si. É nesse contexto, que Piaget estabelece o
entendimento de que as atividades desenvolvidas pelo ser humano, em seu
processo de desenvolvimento, podem ser compreendidas como jogos e classificados
em três tipos: jogos de exercício, jogos simbólicos e jogos de regras.
Entre o nascimento e os dois anos de idade, período em
que Piaget situa a fase sensório-motora do desenvolvimento, dão-se os jogos de
exercício, que são atividades funcionais, que tem sua origem na capacidade
reflexa com a qual o ser humano nasce. São propriamente todas as atividades que
a criança realiza para tomar posse de si mesma na sua relação com o mundo;
mexer os braços, pernas, emitir sons, pegar, agarrar, puxar, empurrar, rolar,
se arrastar, engatinhar, levar objetos na boca, imitar,... Até os dois anos de
idade predominam esses jogos na atividade da criança, que, segundo Piaget, é o
período de nossas vidas onde predomina a acomodação, em função do fato que a
criança predominantemente imita o que os outros fazem, especialmente os
adultos; ou seja, ela está mais voltada para apreender o mundo exterior.
A seguir, aproximadamente, entre os dois e os seis
anos de idade, a criança dedicar-se-á aos jogos simbólicos; é a fase que o
autor denomina de pré-operatória. Nesse período, dão-se os jogos simbólicos,
onde predomina a assimilação. São os jogos da fantasia, período em que as
crianças gostam muito de brincar de “faz de conta”. O mundo exterior, então, é
permanentemente “assemelhado” ao mundo interior. Não importa, assim, a
realidade como ela é; o que importa é o que ela pode parecer que é. Um lápis,
que, na realidade, é um lápis, pode ser muitas coisas na fantasia: um cavalo,
um ônibus, um carro, um avião, um barco, ou simplesmente um objeto para ser
mastigado,... É também nesse período que as crianças gostam muito das estórias,
dos contos de fada, das estórias imaginadas; mas, também, fabulam muito, constroem suas próprias
estórias. Criam e recriam personagens e estórias. Esse é o período em que
Piaget diz que predominam os jogos simbólicos.
Os jogos de regras vão predominar a partir dos
seis/sete anos de idade para a frente, período denominado, inicialmente de
operatório concreto (sete aos doze anos)
e, depois, de operatório formal (a partir aproximadamente dos doze
anos). É o período da aproximação e da posse da realidade. Em torno dos cinco,
seis e sete anos, a criança vai se aproximando mais da realidade, onde se
defronta não mais com as fantasias, mas sim, com os próprios dados do mundo
real, o que implica em regras reais que dão forma ao mundo. É nesse período que
Freud situou, especialmente, a manifestação mais plena do Complexo de Édipo,
período onde fortemente as regras e papéis sociais colocam para a criança os
limites das relações sociais. É por essa idade que meninos e meninas iniciam a
brincar com elementos que exigem regras definidas: brincar de casinha, pai mãe,
médico, advogado, enfermeira, etc. Ainda que em forma de brincadeira, são os
elementos da vida real que vem à tona. Daí para
frente as crianças, os pré-adolescentes, os adolescentes e os adultos
jogarão jogos de regras. Esses, como os anteriores jogos auxiliarão a criança,
o adolescente e o adulto aprender a operar com os entendimentos dos raciocínios
abstratos e formais.
Nessa seqüência de possibilidades de jogar ---
exercício, simbólico e de regras ---, a aquisição das habilidades menos complexas servirão de base para as que
exigem elementos mais complexos para o agir. Assim, quem só possui a capacidade
para praticar os jogos de exercício, por si, não terá condições de praticar os
outros tipos de jogos, que exigem estruturas mentais e lógicas mais
desenvolvidas e complexas. Todavia, aquele que já chegou ao estágio dos jogos
simbólicos poderá, perfeitamente, praticar os jogos do estágio anterior (os
jogos de exercício). O mesmo ocorrendo com as outras etapas do desenvolvimento
e seus respectivos jogos. Isso que dizer que quem pode o menos não pode o mais;
porém, quem pode o mais, pode o menos também.
A partir dessas rápidas noções sobre os jogos em
Piaget, podemos concluir que, para este autor, os jogos, como atividades
lúdicas, servem de recursos de autodesenvolvimento. Piaget vê os jogos como
atividades que vão propiciando o caminho interno da construção da inteligência
e dos afetos, na medida em que manteve-se atento a sua permanente pergunta:
como o conhecimento se dá, ou seja, como é construída a capacidade do conhecer,
que é interna?
Tendo por base a compreensão piagetiana dos jogos,
podemos perceber a sua significação para
a vida das crianças, para os pré-adolescentes, para os adolescentes e para os
adultos, na perspetiva de subsidiar o desenvolvimento interno, que significa a
ampliação e a posse das capacidades de cada um. Assim sendo, podemos e devemos
nos servir das atividades lúdicas na perspectiva de obtermos resultados
significativos para o desenvolvimento e formação dos nossos educandos.
Conhecendo a teoria e as suas possibilidades práticas, temos em nossas mãos instrumentos
fundamentais para dirigir a nossa prática, propiciando oportunidades aos nossos
educandos de internamente se construirem. Com essa teoria em nossas mãos,
podemos saber o que fazer com as atividades lúdicas em cada fase de
desenvolvimento de uma criança, um adolescente ou um adulto. Piaget nos ajuda a
não colocar o carro antes dos bois. Faz-nos compreender que é preciso estar
atentos ao tempo e às possibilidades de realizar e incorporar uma determinada
ação.
Enquanto Freud esteve atento mais aos processos
emocionais trabalhados pelo brinquedo e pelo jogo, Piaget esteve mais atento
aos aspectos cognitivos trabalhados por esses mesmos recursos, sem que tenha
descuidado dos aspectos afetivos e morais. Enquanto a psicanálise esteve mais
atenta (não exclusivamente) à reconstrução da experiência emocional, Piaget
esteve mais atento ao processo de construção dos conhecimentos e da
afetividade. Todavia, ambos são de fundamental importância para quem deseja
trabalhar com atividades lúdicas, seja na educação familiar, na educação
escolar, na educação extra-escolar, seja na terapia.
Aqui, também, podemos observar que a atividade lúdica
só poderá trazer a sensação de experiência plena, na dimensão do sujeito que a
vivencia. Praticar jogos de exercício, jogos simbólicos ou jogos de regras só
poderá ser pleno para quem os pratica, mas parece que todos os que os praticam
com inteireza, integridade e presença, chegam a esse cume de sensação de
plenitude, o que nos permite admitir que as atividades lúdicas podem e devem
ser utilizadas como recursos para a busca de um crescimento o mais saudável
possível.
[1] Brinquedo, aqui, deve ser
entendido com um largo espectro de compreensão, que inclui os brinquedos como
objetos materiais, assim como os brincares, tanto os que são transmitidos pela
herança sociocultural como aqueles que a criança inventa e vivencia
espontaneamente a cada momento.
[2] Importa observar que Freud
não se dedicou diretamente ao trabalho psicanalítico com crianças, ainda que
tenha estudado muito o mundo infantil para compreender o adulto. Deixou um
estudo de caso intitulado “Análise da fobia de um menino de cinco anos”, Edição Brasileira das Obras Completas de Sigmund
Freud, Rio de Janeiro, Editora Imago, volume X p. 11-158.
[3] Existem traduções das obras
de Ana Freud e de Melanie Klein pela Imago Editora do Rio de Janeiro.
[4] Bruno Bettelheim, Uma vida para seu filho, Rio de Janeiro,
Editora Campus.
[5] D.W. Winnicott, O brincar e a realidade, Rio de Janeiro,
Imago Editora
[6] Arminda Aberastury, Psicanálise da Criança, Porto Alegre,
Editora Artes Médicas.
[7] André Lapierre, Fantasmas corporais e prática psicomotora,
S. Paulo, Editora Manole; A simbologia do
movimento, Porto Alegre, Editora Artes Médicas; Psicanálise e análise corporal da relação, São Paulo, Editora
Lovise.
[8] Sobre isso, Bruno
Bettelheim, em Uma vida para seu filho,
op. cit., 18a edição, pág. 145-145 diz: “A maior importância da
brincadeira está no imediato prazer da criança, que se estende num prazer de
viver. Mas a brincadeira tem duas faces adicionais, uma dirigida para o passado
e outra para o futuro, como o deus romano Jano. A brincadeira permite que a
criança resolva de forma simbólica problemas não resolvidos do passado e
enfrente direta ou simbolicamente questões do presente. É também a ferramenta
mais importante que possui para se preparar para o futuro e suas tarefas”.
[9] Stanley Keleman, que não é
um psicanalista, mas o criador da Psicologia Formativa, nos lembra que é pela
ação que o ser humano organiza sua experiência e constitui sua forma. Ver, por
exemplo, o seu livro Anatomia emocional, Summus Editoria, SP.
[10] Bruno Bettelheim, em seu
livro Uma vida para seu filho, op.
cit., é muito claro nisso; para tanto, vale a pena ver a II Parte do livro,
intitulada “Desenvolvendo a individualidade”, onde ele faz um longo estudo
sobre a brincadeira e os jogos no processo de formação da individualidade da
criança.
[11] David Boadella, Correntes
da vida, São Paulo, Summus Editorial, 1992, p. 13.
[12] Ver D.W. Winnicott, em O Brincar e a Realidade, op. cit., sôbre
a questão dos fenômenos e dos objetos transicionais.
[13] Iniciei meu trabalho com o
estudo, ensino e com a prática das atividades lúdicas, em 1992. Fazem, pois,
dez anos que venho me dedicando a essa temática.
[14] Jéan Piaget, A formação do símbolo na criança, Rio de
Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1990.
terça-feira, 22 de abril de 2014
LUDICIDADE E ATIVIDADES LÚDICAS: uma abordagem a partir da experiência interna (PARTE 1)
Cipriano Carlos
Luckesi (VER PUBLICAÇÃO DE 20 DE ABRIL DE 2014)
Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi
1.
Sobre ludicidade
Primeiro sobre ludicidade.
Usualmente os textos disponíveis, que abordam a questão da ludicidade,
tratam-na, predominantemente, sob a ótica de seu papel na vida humana: no
desenvolvimento humano, nos processos de ensino-aprendizagem, nos processos
terapêuticos, na recreação, no divertimento, no lazer; ou, então, abordam
repertórios de atividades lúdicas, descrevendo como realizá-las; e existem
ainda muitos outros estudos sociológicos ou históricos sobre esse fenômeno.
Pouco, porém, se tem tratado da ludicidade e das atividades lúdicas de um ponto
de vista interno e integral. É esse o meu objetivo neste texto, na busca de
oferecer uma melhor compreensão da definição que venho dando para esse fenômeno
em meus escritos. A abordagem que estou utilizando para conceituar o fenômeno
da ludicidade foca a experiência lúdica como uma experiência interna do sujeito
que a vivencia. É desse ponto de vista
que se segue tudo o que exponho abaixo, ou seja, não estou tratando de estudos
externos da atividade lúdica, tais como os sociológicos, os etnográficos, os
históricos ou os descritivos, que, sem sombra de dúvidas são sumamente
importantes. Estou me confrontando com as seguintes perguntas: O que é a
atividade lúdica para o sujeito que a vivencia? E, enquanto vivencia, que
efeitos essa experiência lhe produz?
Importa
observar que os conceitos, que aqui vamos tentar configurar, com um pouco mais
de precisão, tem sido reiteradamente discutidos e aprofundados nas reuniões
semanais do GEPEL – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade,
vinculado ao Programa de Pós-graduação da FACED/UFBA.
Em textos anteriores, a
partir de estudos e experimentos pessoais com atividades lúdicas, além do
ensino desses conhecimentos teórico-práticos na Pós-Graduação em Educação, da
Faculdade de Educação, da Universidade Federal da Bahia, tenho procurado
defender uma compreensão específica da ludicidade e das atividades lúdicas, que
estão a merecer uma melhor configuração, assim como aprofundamentos teóricos e
práticos.
Essa necessidade veio mais
ainda à tona, quando, recentemente, em nossa Pós-Graduação, pude assistir a
defesa de uma dissertação, da autoria de uma orientanda minha, na qual a
mestranda fez uso dos conceitos por mim formulados sobre o que é ludicidade e
sobre as atividades lúdicas. Parecia-me que os membros da Banca não
compreendiam o que ela falava, ou, devido estarem vinculados a outras exigências
conceituais sobre esse fenômeno, não conseguiam colocar-se disponíveis para
“uma escuta sensível” do que ela estava expondo. Assim sendo, vi-me na
obrigação de tentar uma melhor delimitação conceitual daquilo que expus
anteriormente sobre esse tema. É isso que me proponho fazer, neste escrito, no
limite das compreensões que tenho, neste momento; o que quer dizer que, mesmo
agora, não tenho, de forma alguma, a pretensão de apresentar uma configuração
conceitual de ludicidade e das atividades lúdicas, que possa atender a todas as
demandas dos leitores. Estou, aqui, mais uma vez, ensaiando abordar esse
fenômeno, que é complexo e múltiplo em suas manifestações.
Em
1998, escrevi um texto intitulado “Desenvolvimento dos estados de consciência e
ludicidade”, no qual explicitava a seguinte compreensão da ludicidade: “Tomando
por base os escritos, as falas e os debates, que tem se desenvolvido em torno
do que é lúdico, tenho tido a tendência em definir a atividade lúdica como
aquela que propicia a ‘plenitude da experiência’. Comumente se pensa que uma
atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais
caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a
quem a vivencia em seus atos”[2]
No
ano de 2000, retomei esse conceito de ludicidade em um artigo que escrevi para
a coletânea Educação e Ludicidade,
por mim organizada, como primeira publicação do GEPEL, intitulado “Educação,
ludicidade e prevenção de neuroses futuras: uma proposta pedagógica a partir da
Biossíntese”. Nessa oportunidade, assim, me expressei: “O que a ludicidade traz
de novo é o fato de que o ser humano, quando age ludicamente, vivencia uma
experiência plena. Com isso, queremos dizer que, na vivência de uma atividade
lúdica, cada um de nós estamos plenos, inteiros nesse momento; nos utilizamos
da atenção plena, como definem as tradições sagradas orientais. Enquanto
estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na
nossa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria atividade. Não
há divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis. Poderá
ocorrer, evidentemente, de estarmos no meio de uma atividade lúdica e, ao mesmo
tempo, estarmos divididos com outra coisa, mas aí, com certeza, não estaremos
verdadeiramente participando dessa atividade. Estaremos com o corpo aí
presente, mas com a mente em outro lugar e, então, nossa atividade não será
plena e, por isso mesmo, não será lúdica.
“Brincar,
jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente,
ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite divisão; e, as próprias
atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de
consciência. Se estivermos num salão de dança e estivermos verdadeiramente
dançando, não haverá lugar para outra coisa a não ser para o prazer e a alegria
do movimento ritmado, harmônico e gracioso do corpo. Contudo, se estivermos num
salão de dança, fazendo de conta que estamos dançando, mas de fato, estamos
observando, com o olhar crítico e julgativo, como os outros dançam, com
certeza, não estaremos vivenciando ludicamente esse momento”[3].
Importa
observar que nos dois trechos acima, estive tomando ludicidade como um estado
interno do sujeito que age e/ou vivencia situações lúdicas. Não estive,
tratando nem de suas características histórico-culturais, como faz Huizinga, em
seu livro Homo Ludens; nem de suas
características histórico-sociais, como faz Walter Benjamin, em seu livro Reflexões:
a criança, o brinquedo e a educação; ou como faz Tizuko Murchida Kichimoto,
em Jogos Infantis, ou ainda como fez Giles Brugère, em Jogo e
educação, trabalhando sociologicamente o conceito de jogo; nem estamos
tratando das funções terapêuticas das atividades lúdicas, como fazem Melanie
Klein, Arminda Aberastury, Bruno Bettelheim, D.W. Winnicott; assim como não
estive tratando das funções educativas, como fazem muitos autores que propõem
atividades lúdicas e jogos para a prática pedagógica.
Interessava-me
e interessa-me, no primeiro momento dessa discussão, abordar a ludicidade como
uma experiência interna “de consciência”, “um estado de espírito”, como dizemos
cotidianamente. Com isso, estou deixando claro o foco de meu esforço de
compreensão de ludicidade. Ludicidade, a meu ver, é um fenômeno interno do
sujeito, que possui manifestações no exterior. Assim, ludicidade foi e está
sendo entendida por mim a partir do lugar interno do sujeito.
Para
alargar um pouco a compreensão que venho defendendo de que “o ato lúdico
propicia uma experiência plena para o sujeito” e para situar essa compreensão
no seio de outras possíveis compreensões das atividades lúdicas, vou servir-me
do auxílio dos estudos de Ken Wilber, que nos ajudará, com certa facilidade, a
compreender que aquilo que estou propondo tem a ver somente com uma dimensão do
ser humano: a sua dimensão interna; a dimensão do seu desenvolvimento, da sua
identidade, da sua integridade; a dimensão do desenvolvimento do seu ground
interno[4],
como define David Boadella.
Ken
Wilber em seus livros Uma Breve História
do Universo[5], O olho do espírito[6], e em União da alma e dos sentidos[7], nos
indica que o ser humano possui quatro dimensões que devem ser levadas em
consideração, caso desejemos proceder uma abordagem integral do mesmo. O ser
humano realiza suas experiências em quatro dimensões; ainda que uma delas possa
estar predominando num determinado momento.
O quadro acima nos auxilia na compreensão do que o autor propõe: cada
ser humano, em suas experiências, vivencia quatro dimensões que são: 1.
individual/interior, 2. individual/exterior, 3. coletiva/interior, 4.
coletiva/exterior. Do lado esquerdo do gráfico, identificamos as dimensões
“interiores” e, do lado direito, as dimensões “exteriores” do ser humano; na
parte superior do gráfico, as dimensões individuais, seja a interior seja a
exterior; e, por último, na parte inferior, as dimensões coletivas, seja sob o
aspecto interior seja sob o aspecto exterior.
Com isso, podemos
compreender que o ser humano, em todas as suas experiências, realiza-se e
expressa-se em suas quatro dimensões, ainda que não possamos, ao mesmo tempo,
estar conscientes de todas elas, da: individual, externa, visível, observável,
comportamental (dimensão individual externa, representada no gráfico pelo
quadrante superior direito); ao mesmo tempo,
interna, que tem a ver com sentimento, com mente, com a compreensão
interna, interpretativa, hermenêutica do sujeito (dimensão interna representada
no gráfico pelo quadrante superior esquerdo). Contudo, ainda essa experiência
também se dá no coletivo comunitário, o que significa, na dimensão subjetiva,
que a situa no contexto dos valores, da cultura e da comunidade dentro do qual
ele está inserido (dimensão subjetiva coletiva, representada, no gráfico, pelo
quadrante inferior esquerdo); e, por último, se dá na dimensão coletiva
objetiva, sistêmica, constituindo uma rede interobjetiva de relações
observáveis (dimensão externa coletiva, representada no gráfico, pelo quadrante
inferior direito).
A dimensão
interior individual é aquela onde o ser humano vivencia uma experiência, dentro
de si mesmo, na dimensão do Eu, ou seja, a dimensão espiritual,
estética; dimensão que garante o crescimento individual interno, através das
múltiplas fases de desenvolvimento, que vão do pré-pessoal, pelo pessoal para o
transpessoal. Esse é o campo do pensar filosófico, da espiritualidade, da
introspecção psicológica, da criação artística, da percepção estética,...
A dimensão
interior coletiva é aquela onde o ser humano vivencia sua experiência de comunidade,
dos valores e sentimentos de viver e conviver com o outro e com os outros,
vivência da cultura e dos valores comuns, que dirigem a vida. É a dimensão do Nós
de nossa experiência, onde se faz presente a formação e a vivência da
ética e da moral. É o campo da sensação, dos sentimentos e da vivência com o
outro, do convívio, da ética, da moral,...
A dimensão
individual externa expressa, objetivamente, nossa experiência individual
interna, através das manifestações do nosso corpo, dos nossos sistemas fisiológicos
(nervoso, circulatório, respiratório) e do nosso comportamento psicossocial.
São elementos que podem ser estudados objetivamente, via os meios de
mensuração. É o campo do Ele individual. Esse é o campo da
fisiologia, anatomia, neurofisiologia, ciências comportamentais,...
A dimensão
coletiva externa se dá nas relações sistêmicas que constituem nossa vida,
através das relações interobjetivas. As múltiplas relações que agem e reagem
entre si, constituindo sistemas de elementos e variáveis que determinam
dialeticamente nosso modo de ser e de viver. É o campo do Ele
coletivo, que pode ser estudado objetivamente sob a ótica do funcionamento
dos sistemas. Esse campo é estudado pela sociologia, pela história social, pela
política, pelas abordagens sistêmicas em geral.
O campo do Eu só
pode ser percebido, estudado e compreendido pela interpretação. O campo do Nós
só pode ser verdadeiramente assimilado, estudado e compreendido pela vivência
mútua da cultura, com todos os seus valores, que só podem ser apreendidos
adequadamente por quem os vivencia. É praticamente impossível um forasteiro
tornar-se igual aos nativos. Ele se aproxima, ensaia, chega perto, mas não se
torna um igual. Ele será sempre um forasteiro que foi admitido como “um dos
nossos”. O campo do Ele, por outro lado, seja o individual ou o coletivo, pode
e deve ser apreendido pelos sistemas de mensuração e/ou demonstração objetivos.
Wilber diz que os campos do Ele individual e coletivo poderiam ser reunidos em
um único campo --- o do Ele ---, pois que ambos são apropriados e compreendidos
objetivamente, como o outro, independente de cada um de nós.
Assim sendo, uma
experiência integral do ser humano é aquela que o realiza em suas quatro
dimensões --- que permitem a vivência da estética e da espiritualidade, assim
como a experiência ética, ambas assentadas sobre a materialidade externa da
constituição bio-psicológica, de um lado, e dos sistemas sociais e históricos
de relações, de outro.
Dentro deste quadro de referência, as atividades
lúdicas (não a ludicidade), como todos e quaisquer outras experiência
humanas, poderão ser abordados a partir de cada um desses quatro quadrantes. Ou
seja, uma atividade lúdica, enquanto atividade propriamente dita, é vivida nas
quatro dimensões e, por isso poderá ser abordada, também, nos quatro
quadrantes. É exatamente devido a experiência dar-se (realizar-se) nas quatro
dimensões, que ela pode assim ser abordada. Ou seja, uma atividade, lúdica ou
não, dar-se-á nas quatro dimensões e deste modo deverá ser abordada. Será
abordada pela ótica do quadrante superior esquerdo, a ótica interna do sujeito
que realiza e vivencia essa atividade. Poderá ainda ser abordada pela ótica do
quadrante inferior esquerdo --- sob a ótica da convivência com os outros e da
cultura ---, o que permitirá vivenciar e desvendar os sentimentos comunitários,
resultantes do presente ou de um longo processo de heranças sócio culturais,
através dos quais, esses sentimentos adquiriram um sentido ou está adquirindo
um sentido novo neste momento de convivência. Por último, essa atividade lúdica
poderá ser abordada como um fenômeno social, através da observação, da contagem
de freqüências das vezes que essa atividade se manifesta no todo da sociedade,
na qual está inserida, assim como das relações interobjetivas, que causam,
sistemicamente, suas características.
Tomando esse referencial por base, quando definimos
ludicidade como um estado de consciência, estamos falando a partir do quadrante
superior esquerdo, ou seja, da vivência e percepção interna do sujeito. Uma
atividade só poderá ser plena para uma pessoa como sujeito, só ele poderá
vivenciar a “plenitude da experiência”, através de uma atividade. A ludicidade,
nesta perspectiva, é interna. Objetivamente, a partir do quadrante superior
direito, poderemos descrever uma atividade como lúdica, seu algoritmo, sua
configuração, suas regras, suas práticas visíveis; porém, para um determinado
sujeito, essa atividade, que descrevo como lúdica, poderá não sê-lo, em função
de sua história pessoal de vida (quadrante superior esquerdo), assim como em
função do meio social, no qual está inserido (quadrante inferior esquerdo) e em
função de sua assimilação interna dessa herança.
Deste modo, quando estamos definindo ludicidade como
um estado de consciência, onde se dá uma experiência em estado de plenitude,
não estamos falando, em si, das atividades objetivas que podem ser descritas
sociológica e culturalmente como atividade lúdica, como jogos ou coisa
semelhante. Estamos, sim, falando do estado interno do sujeito que vivencia a
experiência lúdica. Mesmo quando o sujeito está vivenciando essa experiência
com outros, a ludicidade é interna; a partilha e a convivência poderão
oferecer-lhe, e certamente oferece, sensações do prazer da convivência, mas,
ainda assim, essa sensação é interna de cada um, ainda que o grupo possa
harmonizar-se nessa sensação comum; porém um grupo, como grupo, não sente, mas
soma e engloba um sentimento que se torna comum; porém, em última instância
quem sente é o sujeito.
Certamente que vivenciar uma experiência lúdica em
grupo é muito diferente de praticá-la sozinho. O grupo tem a força e a energia
do grupo; ele se movimenta, se sustenta, estimula, puxa a alegria, mas somente
cada individuo, nesse conjunto vital e vitalizado, poderá viver essa sensação
de alegria, partilhada no grupo.
Deste modo, uma atividade descrita objetivamente, seja
pela sua estrutura seja pelo seu comprometimento com uma determinada herança
sociocultural (como o folclore, os brinquedos tradicionais, etc...), não
necessariamente será lúdica para o sujeito que a vivencia. Ou seja,
objetivamente, podemos descrevê-la como lúdica, mas não necessariamente, ela
propiciará a todos, que a vivenciarem um estado de plenitude de experiência.
Vamos tomar, a título de exemplo, a brincadeira de “pular corda”.
Para mim, ela propiciará um estado interno de
inteireza, alegria, prazer, enquanto estiver, no seio de um grupo, pulando
corda. Dar-me-á inteireza, alegria, prazer, praticando essa experiência sozinho
e, ao mesmo tempo, na interação com as outras pessoas, participando e
partilhando da felicidade do momento. Todavia, para outra pessoa, esta mesma
atividade, poderá trazer desprazer, seja devido nunca ter pulado corda e não
estar interessada em tentar aprender agora, seja devido ter tido uma
experiência muito negativa com esse brinquedo em sua história pessoal de vida,
ou qualquer outro elemento que não lhe permita vivenciar agora essa experiência
com alegria, prazer, integridade. Assim sendo, objetivamente (quadrante
superior direito) a atividade é descrita como lúdica, porém, não
necessariamente ela trará a mesma experiência de plenitude para todos os
sujeitos que a vivenciam, ainda que o grupo seja um condicionante fundamental
para a entrega em uma atividade lúdica, como sinalizamos anteriormente. Poderá
sinalizar uma dor que, recentemente ou de há muito, estava dentro da pessoa,
convidando-a a buscar uma saída saudável para isso, que está impedindo o seu
fluir normal na vida.
A dor interna que a atividade lúdica, objetivamente
definida como lúdica, elicia, em uma prática, não é lúdica, por si, no sentido
que vimos compreendendo ludicidade, porém, a vivência dessa experiência que
mobiliza a dor pode ser um ponto de partida para a transformação da própria
experiência fragmentada em busca da experiência plena. Nesse sentido, as
atividades que são objetivamente tomadas como lúdicas e que, por alguma razão
interna da pessoa, possam fazer emergir alguma dor, limite ou dificuldade,
possibilita ao sujeito uma oportunidade da cura dessa dor, dificuldade
ou limite interno. Por cura, aqui, estamos entendendo uma oportunidade de fazer
contato com um aspecto doloroso de sua vida, mas que, também e ao mesmo tempo,
aponta para um aspecto saudável de si mesmo – da alegria, do prazer, da
convivência, da não-rigidez,...
Em síntese, ao afirmar que a atividade lúdica traz uma
oportunidade de experiência plena, importa estar atento para o “olhar” a partir
do qual estamos afirmando isso: a dimensão do eu, do interno. E é em função
dessa visão que defendo a idéia de que vivência lúdica propicia ao sujeito uma
experiência de plenitude, devido ela ir para além dos limites do ego,
que gosta de descrições específicas de cada coisa, que serve-se permanentemente
do julgamento, que se fixa em posições tomadas como as únicas certas,... A
descritiva comportamental individual e/ou coletiva, assim como os valores
comunitários, que sustentam essa experiência, compõem o entorno dessa sensação
de experiência plena, a serem tratadas por outros âmbitos do conhecimento, como
vimos acima.
[1] Doutor em Educação,
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, FACED/UFBA,
vice-coordenador do GEPEL – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e
Ludicidade, vinculado à linha de Pesquisa Filosofia, Linguagem e Praxis
Educativa, do Programa de Pós-Graduação em Educação - FACED/UFBA.
[2] Cipriano Carlos Luckesi,
“Desenvolvimento dos estados de consciência e ludicidade”, in Interfaces da Educação, Cadernos de
Pesquisa – Núcleo de Filosofia e História da Educação, Programa de
Pós-Graduação em Educação, UFBA, vol. 2, no. 1, 1998, pág. 09-25.
[3] Cipriano Carlos Luckesi,
“Educação, ludicidade e prevenção das neuroses futuras: uma proposta pedagógica
a partir da Biossíntese”, in Educação e Ludicidade, Coletânea
Ludopedagogia Ensaios 01, organizada por Cipriano Carlos Luckesi, publicada
pelo GEPEL, Programa de Pós-Graduação em Educação, FACED/UFBA, 2000, p. 21.
[4] Ground interno, aqui,
é tomado no sentido de base, suporte, capacidade de sustentar a própria
experiência a partir de uma qualidade interior fluída e não a partir de
recursos externos, aprendidos como lições que devem ser cumpridas.
[5] Ken Wilber, Uma breve História do Universo, Rio de
Janeiro, Ed. Nova Era, 2001.
[6] Ken Wilber, O olho do espírito, São Paulo, Ed.
Cultrix, 2001.
[7] Ken Wilber, União da alma
e dos sentidos, São Paulo, Editora Cultrix, 2001.
domingo, 20 de abril de 2014
CIPRIANO LUCKESI
Cipriano Carlos Luckesi - BREVE BIOGRAFIA
Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi
Nascido na cidade de Charqueada, distrito do município de Piracicaba, Estado de São Paulo.
Descentente de europeus, morou em Sorocaba (1951-1963), em Aparecida do Norte, por um ano (1964), e em São Paulo, capital (1965-1968); um ano em Pilão Arcado, Estado da Bahia (1969); e, por último,
Salvador, Bahia, desde 1970.
Foi professor, regularmente contratado, da Universidade Federal da Bahia, de
1972-2002, atuando na área de Filosofia, regendo disciplinas na graduação e na
Pós-Graduação em Educação, assim como da Universidade Estadual de Feira de
Santana, BA (1976 a 1994), trabalhando na área de Metodologia do Trabalho
Científico e Metodologia da Pesquisa. Atualmente está aposentado oficialmente da Universidade Federal da Bahia.
Formado em Filosofia, Teologia,
Mestrado em Ciências Humanas
Doutoramento no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na vertente “Educação: história e filosofia da educação”.
Trabalhou intensamente o tema "avaliação da aprendizagem" e "educação e ludicidade".
Publicaremos um texto deste autor, por partes, nos próximos dias. O tema é Ludicidade, extremamente rico, deixando claro o cuidado deste pesquisador em se aprofundar e tirar o máximo do tema.
Espero que possamos aproveitar.
Este material, bem como o texto sobre ludicidade a ser publicado nos próximos dias, foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi .
Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi
Nascido na cidade de Charqueada, distrito do município de Piracicaba, Estado de São Paulo.
Descentente de europeus, morou em Sorocaba (1951-1963), em Aparecida do Norte, por um ano (1964), e em São Paulo, capital (1965-1968); um ano em Pilão Arcado, Estado da Bahia (1969); e, por último,
Salvador, Bahia, desde 1970.
Foi professor, regularmente contratado, da Universidade Federal da Bahia, de
1972-2002, atuando na área de Filosofia, regendo disciplinas na graduação e na
Pós-Graduação em Educação, assim como da Universidade Estadual de Feira de
Santana, BA (1976 a 1994), trabalhando na área de Metodologia do Trabalho
Científico e Metodologia da Pesquisa. Atualmente está aposentado oficialmente da Universidade Federal da Bahia.
Formado em Filosofia, Teologia,
Mestrado em Ciências Humanas
Doutoramento no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na vertente “Educação: história e filosofia da educação”.
Trabalhou intensamente o tema "avaliação da aprendizagem" e "educação e ludicidade".
Publicaremos um texto deste autor, por partes, nos próximos dias. O tema é Ludicidade, extremamente rico, deixando claro o cuidado deste pesquisador em se aprofundar e tirar o máximo do tema.
Espero que possamos aproveitar.
Este material, bem como o texto sobre ludicidade a ser publicado nos próximos dias, foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi .
quarta-feira, 16 de abril de 2014
ELEIÇÃO PARA GESTORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO
PUBLICADA A PORTARIA QUE REGULAMENTA O PROCESSO DE ELEIÇÃO PARA GESTORES
Fruto do trabalho da Comissão Eleitoral Central, da qual a APLB-Sindicato faz parte, foi publicado no Diário Oficial do Município, do dia 12 de abril de 2014, a portaria 180/2014, que regulamente o processo de eleição para gestores das unidades integrantes da rede pública municipal de ensino de Salvador.
A portaria determina em seu artigo 2º que “a eleição direta para a escolha de diretor e vice-diretor ocorrerá, de forma simultânea, nas unidades integrantes da rede pública municipal de ensino de Salvador, no dia 29 de julho de 2014, conforme cronograma anexo”.
Terão direito a votar os alunos a partir de 12 anos regulamente matriculados e frequentes, o pai ou a mãe ou o responsável legal dos alunos menores de 18 anos; os membros do magistério e os servidores públicos em exercício na unidade escolar.
Conforme o artigo 4º da referida portaria, poderá concorrer ao cargo de diretor e vice-diretor de unidade de ensino o servidor estável, integrante das categorias funcionais de professor ou coordenador pedagógico, do quadro do Magistério Público do Município do Salvador, que possua curso de habilitação superior na área de Educação; tenha sido classificado e certificado em curso para gestores de unidade escolar oferecido pela Secretaria da Educação do Município; não tenha sofrido pena disciplinar nos últimos dois anos anteriores à data do registro da candidatura; apresente e defenda junto à comunidade escolar o plano de trabalho de sua gestão; encontre-se lotado e em exercício há pelo menos seis meses na unidade de ensino em que pretende concorrer ao cargo.
Curso para gestores
O artigo 5º determina que o curso para gestores, que será realizado de 04 a 20 de maio de 2014, será gerenciado pela SMED com o objetivo de oferecer o suporte necessário para o exercício do Cargo de Diretor e Vice-Diretor de Unidade de Ensino, com carga horária mínima de 40 (quarenta) horas, e será executado de forma a possibilitar o acesso e permanência do interessado. O parágrafo único do referido artigo ressalta que “Terá validade para a eleição de Diretor e Vice-Diretor de Unidade de Ensino em 2014, a aprovação no Curso de Gestão Escolar/2009, promovido pela Secretaria Municipal da Educação”.
MAIORES DETALHES VER PUBLICAÇÃO NO DO DE 12 A 14 ABRIL DE 2014
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