XII Colóquio Internacional do LEPSI VII Congresso da RUEPSY III Congresso da Red INFEIES A Escola: consumida ou consumada? * | 16/11/2017 - 18/11/2017 |
A Escola: consumida ou consumada?
“O discurso capitalista é algo loucamente astucioso, mas votado ao esgotamento [...]É que ele é insustentável [...] ele anda sobre rodinhas, e não pode andar melhor, mas justamente anda tão rápido que se consome, se consome tão bem que se consuma.”(1972). A frase é de Lacan e foi escrita para representar em uma imagem, segundo ele, a essência do capitalismo. A inteligência astuta do capitalismo se faria notar em sua capacidade de encorpar-se, entregando-se exclusivamente ao seu fortalecimento e consolidação. Tudo que a ele se opor sofrerá o destino de ser metabolizado e incorporado, atestando o valor maior da metáfora do consumo: comer, devorar, até transformar tudo em parte de si mesmo. Essa astúcia encontraria apenas um limite: a consumação. No afã de devorar tudo, não poderia evitar o destino de devorar a si mesmo. É o que nos fazem ver, dramaticamente, os discursos ecológicos, muito fortalecidos nos últimos tempos que, se valendo do medo como um recurso pedagógico - o fim da vida humana na Terra - buscam botar algum freio nessa paixão devoradora. A alusão feita às rodinhas serve tanto para marcar que se trata de velocidade, o que se percebe facilmente quando olhamos o progresso tecnológico, como para marcar que isso gira sobre si mesmo, ou seja, obedece, segundo a lógica freudiana, à morbidez da repetição. O imperativo do capitalismo comportaria uma fórmula na qual o ciclo fechado da repetição se mostra claramente: Deve-se continuar progredindo sempre para se atingir o quê? O progresso! O fim da causa final, diria o filósofo, em prol da causa eficiente. Inovar é A regra, ou seja, não mais um processo desencadeado pelo desejo que se opõe à inércia do antigo - contra o stabilishment, como se convencionou dizer - mas, ao contrário, tornou-se uma injunção superegóica - é o próprio stabilishment - que pesa sobre todas as cabeças dizendo que quem não inova está fora. Podemos nos perguntar, com proveito, sobre como a escola se encontra nesse estado de coisas. A demanda de inovação é patente sobre ela. Contestada por ser conservadora, por vezes ridicularizada em piadas que atestariam seu suposto anacronismo, a escola nunca se viu tão as voltas com reformas, como nestes últimos trinta anos. A relação professor-aluno, os métodos de trabalho, o currículo básico, as regras de avaliação e progressão, a distribuição de seu espaço físico, nada em seu interior parece ter ficado fora de questionamento. Além disso, ela também tem sido muito avaliada, paixão importante do discurso capitalista, esquadrinhada com números e estatísticas que teriam o poder de diagnosticar seus problemas e melhorar sua performance. Nenhuma dessas críticas ou avaliações, entretanto, põe em xeque a existência da escola. Ao contrário, uma reflexão como aquela feita por Ivan Ilich, em seu clássico livro: Deschooling Society, - literalmente desescolarizando a sociedade - mal traduzido para o português como Sociedade sem escolas, e que conheceu um forte reconhecimento internacional em sua época, hoje não tem senão um valor anedótico. Nossa sociedade está cada vez mais escolarizada, seja porque a escola, enquanto instituição chega bem mais cedo na vida do cidadão, seja porque sua formatação invade um público nunca antes imaginado, como escola de pais, da terceira idade, o lazer, por exemplo. O que Ilich punha, entretanto, em evidência era um paradoxo perigoso no qual está assentada a escola: o ensino tornado obrigatório não minaria a vontade de aprender? Se chegou a formular que poderíamos viver sem escolas é porque imaginou que em seu lugar funcionaria bem um sistema em rede, forjado a partir da ideia de que quem se interessa por aprender algo pode encontrar alguém que quer ensinar esse algo. Curiosa antecipação visionária, como nos mostra Blais, Gauchet e Ottavi,(2016) do que a informática faria em seu tempo. Mas o nascimento dessa rede, agora concretizada com a internet, não desmoronou a escola que, ao contrário, a tem absorvido, mesmo que cambaleante, reforçando seu papel num discurso escolarizante. Daí o curioso paradoxo: A despeito da inundação de críticas que ela recebe, a escola segue incólume, cada vez mais Magnífica. A démarche freudiana na educação coincide fundamentalmente com a preocupação de Ilich. Em ambos os casos trata-se de pôr em primeiro plano a verdade da experiência; da experiência da aprendizagem, da transmissão do conhecimento, no caso. Esse ponto fulcral de uma démarche ganharia contornos concretos mais tarde com Lacan nas reflexões sobre a constituição de uma Escola para a psicanálise. Evidentemente que não é o caso de equacionar de modo simplista e equivocado escola de psicanálise, voltada para a formação de analistas e escola pública, voltada para a educação das crianças. Trata-se, contudo, de apontar como a psicanálise recuperou a seu modo questões que tem importância para a reflexão pedagógica acerca do aprender, do transmitir, do ensinar, do formar e acerca do peso do funcionamento institucional neste processo. Neste colóquio convidamos a refletir temas como transmissão, autoridade, autorização, instituição, conhecimento, aprendizagem, etc., que são comuns à pedagogia como à psicanálise, embora ambas tenham chegado a respostas diferentes. Mas convidamos, também, a refletir mantendo essa pergunta título como pano de fundo: escola consumida ou consumada? – afinal, conviria refletir se nossa escola não se afastou da verdade da experiência fortalecendo-se cada vez mais num princípio que pode terminar por consumi-la, por consumá-la. Rinaldo Voltolini, Daniel Revah |
Nenhum comentário:
Postar um comentário