Cipriano Carlos Luckesi (CONTINUAÇÃO)
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2.
Sobre as
atividades lúdicas e sua função no desenvolvimento interno de cada um
No que se segue, estaremos apresentando três
possibilidades de usos das atividades lúdicas na vida do ser humano, a partir
de três abordagens diferentes: psicanalítica, piagetiana e biossistêmica.
Poderiam ser outras --- tais como as de Wallon, de Vigotsky e outros ---, porém
escolhi estas três, que a meu ver, são suficientes para dar corpo à compreensão
que estamos estabelecendo de ludicidade.
A compreensão sobre as atividades lúdicas,
especialmente sobre a sua constituição sócio-histórica e sobre os seus papéis
na vida humana, tem origem em várias áreas do conhecimento. Assim, existe uma
história do brinquedo, uma sociologia do brinquedo, um estudo folclórico do brinquedo,
um estudo psicológico do brinquedo,... Desses estudos, retiramos algumas
conclusões que nos ajudaram e nos ajudarão a compreender o papel e uso das
atividades lúdicas na vida humana, tendo presente, neste texto, que estamos em
busca de compreender como, possivelmente, pode dar-se e operar internamente no
sujeito a vivência das experiências lúdicas.
2.1.
As heranças
freudianas
Freud compreendeu que o brinquedo[1] é
o caminho real para o inconsciente da criança, assim como o sonho é o caminho
real para o inconsciente do adulto. Ou seja, a experiência do brincar tem seu
lado interno; que se expressa no externo. A meta de Freud, como sabemos, foi
desvendar e compreender as operações do inconsciente através de suas
manifestações externas.
A partir daí, o próprio Freud[2] e
seus discípulos próximos e distantes, tais como Ana Freud (filha de Freud),
Melanie Klein[3], Bruno
Bettelheim[4],
D.W. Winnicott[5], Arminda
Aberastury[6],
André Lapierre[7] e tantos
outros produziram diversas compreensões psicanalíticas e possibilidades de usos
das atividades lúdicas.
A Psicanálise, em sua atuação terapêutica, aposta na
restauração do passado e na construção do presente e do futuro. Freud afirma
que temos em nós duas forças fundamentais: as forças regressivas, que nos atém
fixados no passado e as forças progressivas, que nos mantém voltados para o
futuro. As forças regressivas são aquelas que tem como seu epicentro as nossas
fixações neuróticas ou traumáticas do passado, que nos impedem ou dificultam o
nosso viver fluído no presente, assim como nossas aberturas para o futuro. Elas
se manifestam por nossas respostas emocionais automáticas do dia a dia, que nos
dificultam o estar bem conosco mesmos (intrapessoalmente) e em nossos
relacionamentos (interpessoalmente). As forças progressivas, por outro lado são
aquelas que nos chamam para o futuro, para as nossas possibilidades de
organização pessoal e de ser[8].
No caso, nos interessa imediatamente, a questão dos
brinquedos, como caminho real para o inconsciente da criança. Nesse contexto, a
prática das atividades lúdicas pelas crianças, de um lado, revela como elas
estão, a partir de suas histórias pessoais, assim como revela o que sentem
sobre o seu presente cotidiano, seus medos, seus não-entendimentos do que está
ocorrendo, o que está incomodando,...; porém, de outro lado, essa prática
revela, também, a construção do futuro. Muitas atividades lúdicas das crianças
são de imitação do adulto, outras não imitam, mas constroem modos de ser[9].
Meio pelo qual as crianças estão, por uma parte, tentando compreender o que os
adultos fazem, e, de outra, experimentar as possibilidades de sua própria vida,
o que quer dizer que, através das atividades lúdicas, estão construindo e
fortalecendo o seu modo de ser, a sua identidade[10].
Neste contexto, por exemplo, ao brincar de “pai e
mãe”, as crianças, colocando-se nesses papéis, estão tentando saber o que é
isso de “ser pai e mãe”; ou, ainda outro exemplo, uma criança que passou por
uma experiência de hospitalização, possivelmente, por um certo período, após
sair do hospital, ela praticará brinquedos e brincadeiras que tenham como
conteúdo algum flash de sua experiência passada recente. Possivelmente,
brincará de médico, de enfermeira, de hospital, de ambulância e tantas outras
coisas, que poderão estar auxiliando a sua compreensão do que ocorreu com ela.
O mesmo ocorrerá com seus desenhos, com suas falas, com as estórias que
inventa,... Contudo, se, por outra via, for anunciada a uma criança que, em
breve, ela será hospitalizada para uma intervenção qualquer, é bastante
provável que ela inicie a usar brinquedos e brincadeiras relativos à saúde e
àquilo que vai ocorrer em sua vida (que são os procedimentos de
hospitalização), na tentativa de compreender o que foi anunciado a ela.
Todavia, essas manifestações do inconsciente nas atividades lúdicas poderão
também estar, e certamente estarão, vinculadas a experiências mais antigas, em
termos de história de vida pregressa.
David Grove, um
pesquisador norte-americano que criou uma técnica específica para trabalhar com
traumas através das metáforas, diz que estas (as metáforas) são as expressões
visíveis e observáveis dos traumas que estão fixados em nosso inconsciente;
como, por exemplo, “eu tenho um nó na garganta”, “carrego o mundo nas costas”, ou coisas
semelhantes. Eu acredito que as atividades lúdicas infantis são as metáforas,
que expressam a sua intimidade; elas falam de sua realidade interior através de
um caminho metafórico.
Se prestarmos atenção em nossos filhos e filhas, ou
nossos netos e netas, ou nossos alunos na escola, ou crianças em geral,
observaremos que seus atos, sempre, estarão comunicando alguma coisa. Para
entender essa comunicação, importa estar atento para o que elas querem dizer.
David Boadella diz que “como ponto de partida, é necessário reconhecer que é
impossível um indivíduo não se comunicar”[11].
Por vezes, será bastante fácil descobrir o significado dessa comunicação, por
outras vezes, será exigido mais atenção e esforço de nossa parte para proceder
essa compreensão. E, mais que isso, para aceitar a comunicação que está vindo
através de uma brincadeira, pois que nem sempre estamos preparados e dispostos
para acolher o que está ocorrendo. Por vezes, as brincadeiras de nossas
crianças nos desagradam, mas o que será que elas estão nos revelando, nos dizendo
ou querendo nos dizer? É isso que a Psicanálise nos ensina: observe como as
crianças estão brincando, seus atos estão revelando o seu interior.
Existe um famoso relato de Freud (neste momento, não
estou sendo capaz de identificar em que obra está), onde ele relata a
experiência de ter ido visitar um amigo e enquanto estava a sós com uma criança
pequena, observou que ela atirava um carretel de linha e, a seguir, puxava-o;
quando atirava o carretel, fechava o semblante e, quando o trazia de volta, abria
em sorriso. Após, atentamente, observar essa experiência, Freud realizou a
seguinte leitura: a criança estava tentando compreender como a mãe desaparecia
e, depois, aparecia novamente; e o sentimento de tristeza pelo afastamento da
mãe e a alegria pelo seu retorno. A experiência interna revelava-se em uma
manifestação externa. E foi a partir desse ponto que Freud fez sua leitura
interpretativa da experiência (certamente válida) da criança.
Mas, o ato de brincar não só é revelador do
inconsciente, ele também é catártico, ou seja, ele é liberador. Enquanto a
criança brinca, ela, ao mesmo tempo, expressa e libera os conteúdos do
inconsciente, procurando a restauração de suas possibilidades de vida saudável,
livre dos bloqueios impeditivos. E, por vezes, os bloqueios já estão tão
fixados, que eles impedem a criança até mesmo de brincar; fato este que estará
nos sinalizando para uma atenção mais cuidadosa para esta criança.
Por outro lado, as atividades lúdicas, por serem
atividades, na visão de Bruno Bettelheim, e eu pessoalmente concordo plenamente
com ele, são instrumentos da criação da identidade pessoal, na medida em que
elas, nessa perspectiva, estabelecem uma ponte entre a realidade interior e a
realidade exterior. Esse é o lado construtivo das atividades lúdicas. Pelas
atividades em geral e pelas atividades lúdicas em específico, a criança
aproxima-se da realidade, criando a sua identidade. O princípio do prazer
equilibra-se com o princípio da realidade, na criança, através das atividades
lúdicas. Elas são o meio pela qual as crianças fazem o trânsito do mundo
subjetivo simbiótico com a mãe para o mundo objetivo da lei do pai[12],
criando o seu modo pessoal de ser e estar no mundo, criando sua identidade
pessoal; ou se se quiser, sua individualidade. Assim sendo, o brincar, para as
crianças, não será só o caminho real para o inconsciente doloroso, mas também
para a construção interna da identidade e e da individualidade de si mesmo.
Será que as atividades lúdicas seriam o caminho real
só para a inconsciente e a identidade e individualidade da criança, ou do
adulto também? Vivenciar atividades lúdicas, tenho observado eu, é também um
caminho tanto para o inconsciente quanto para a construção de identidade e
individualidade saudável dos adultos. Por vários anos, venho ensinando e
trabalhando com atividades lúdicas com meus alunos na Pós-Graduação em
Educação, na Faculdade de Educação, da Universidade Federal da Bahia[13] e
tenho tido a oportunidade de ver como, também para adultos, as atividades
lúdicas podem ser um caminho real, ao mesmo tempo, para o inconsciente
reprimido assim como para a criatividade e, consequentemente, para a criação de
uma individualidade mais saudável. Ou seja, também para os adultos, as
atividades lúdicas são catárticas, o que quer dizer liberadoras das fixações do
passado e construtoras das alegrias do presente e do futuro.
Essa abordagem, a partir das contribuições da
Psicanálise, se integra na visão de ludicidade como possibilidade de vivência
da plenitude da experiência? Tomando por base os fundamentos do pensamento de
Wilber, que expusemos acima, podemos compreender que o que ocorre dentro da
criança configura-se no quadrante superior esquerdo, na dimensão do EU, a
dimensão interna. O que ocorre nessa dimensão, nós, de fato, não podemos saber,
a menos que a criança, de alguma forma,
nos revele. É a sua experiência interior. Os atos externos poderão ser
descritos comportamentalmente, mas a experiência interna é de quem a vive e nós
só podemos nos aproximar dela, da forma mais apropriada, pela partilha e, mais
distantemente, por uma analogia com a nossa própria experiência. Então, tendo
vivido experiências semelhantes, podemos compassiva e empaticamente, sentir o
que se passa dentro do outro. Seremos, então, ressonantes à experiência do outro
e, deste modo, poderemos, aproximadamente, compreender o que está ocorrendo em
seu interior. Ou pela interpretação, a partir de um olhar externo sobre as
manifestações da criança ou do adulto, enquanto vivencia sua experiência; mas,
aí, será sempre uma interpretação externa, ainda que, se for realizada com
cuidado e amorosidade, poderá ser muito útil no acompanhamento do processo de
desenvolvimento do outro.
Assim sendo, cada criança, adolescente, ou adulto,
enquanto vivencia uma experiência lúdica, a vivencia como experiência plena
dentro de si, em seu interior, contudo, externamente, podemos descrevê-la, o
que não necessariamente nos permitirá nos apropriarmos daquilo que se deu ou se
dá nessa experiência plena interna do indivíduo.
2.2. As heranças piagetianas
Em Piaget, os jogos são compreendidos como recursos
fundamentais dos quais o ser humano lança mão em seu processo de
desenvolvimento, possibilitando a organização de sua cognição e seu afeto,
portanto a organização do seu mundo interior na sua relação com o mundo
exterior.
O tema que Jean Piaget sempre se colocou, ao longo de
sua vida de pesquisas sobre a inteligência humana, foi: como se dá o
conhecimento? Como se constrói, no ser humano, o processo do conhecer? E sua
resposta permanente foi: através das atividades. O ser humano, como um ser
ativo, aprende por meio de sua ação. Age e compreende, por meio de uma
dialética de assimilação e acomodação em suas relações com o mundo exterior.
Assimilar significa tornar o mundo exterior semelhante ao mundo interior e
acomodar significa apropriar-se dos elementos do mundo exterior, evidentemente,
como eles podem ser apropriados com realidade pela ótica do sujeito. É nessa
dialética que se aprende e se desenvolve.
Evidentemente que os processos de assimilar e acomodar
não são tão lineares e mecânicos quanto as definições, acima colocadas, parecem
indicar. São processos profundamente complexos, pelos quais cada criança, cada
adolescente e cada adulto estabelece o seu modo de relações e constrói o seu
modo de agir e reagir, estando situado seja no contexto de sua intimidade, seja
em determinada realidade natural e/ou sócio-histórica. A assimilação é o meio
pelo qual tornamos o mundo exterior semelhante ao nosso mundo interior, aos
nossos sentimentos, aos nossos fantasmas, aos nossos conhecimentos. A
acomodação é o processo que nos permite desvendar o que não sabemos e que não
dominamos do mundo externo a nós mesmos e nos possibilita apreendê-lo,
cognitiva, mas, ao mesmo tempo, emocionalmente. A dialética entre esses dois
processos permite-nos a construção de nós mesmos e nosso modo de ser na vida e
no mundo, relacionados a nós mesmos, aos outros e a mundo material e cultural
que nos envolve.
Os processos de assimilação e acomodação, usualmente
operam dialeticamente, o que quer dizer que assimilamos para acomodar e
acomodamos para assimilar. Por exemplo, ao adquirir um novo aparelho de som
para minha casa, uma parte de como fazê-lo funcionar, eu já sei; assim sendo,
assimilo (assemelho) elementos desse objeto a elementos que já detenho como
conhecimento. Porém, tem uma parte que eu não sei; então, aprendo; é isso que é
acomodar-se, ou seja, integrar a parte do mundo exterior que ainda não está
integrada em mim, nessa experiência. Esse processo possibilita, permanentemente,
um aprofundamento do conhecimento cada vez que me detenho no objeto, com nova
assimilação e nova acomodação.
Em seu livro A
formação do símbolo na criança, Piaget[14]
trabalha com os jogos como os recursos ativos dos quais o ser humano se serve
em sua vida para construir-se a si mesmo, aprendendo a relacionar-se com o que
está fora e em torno de si. É nesse contexto, que Piaget estabelece o
entendimento de que as atividades desenvolvidas pelo ser humano, em seu
processo de desenvolvimento, podem ser compreendidas como jogos e classificados
em três tipos: jogos de exercício, jogos simbólicos e jogos de regras.
Entre o nascimento e os dois anos de idade, período em
que Piaget situa a fase sensório-motora do desenvolvimento, dão-se os jogos de
exercício, que são atividades funcionais, que tem sua origem na capacidade
reflexa com a qual o ser humano nasce. São propriamente todas as atividades que
a criança realiza para tomar posse de si mesma na sua relação com o mundo;
mexer os braços, pernas, emitir sons, pegar, agarrar, puxar, empurrar, rolar,
se arrastar, engatinhar, levar objetos na boca, imitar,... Até os dois anos de
idade predominam esses jogos na atividade da criança, que, segundo Piaget, é o
período de nossas vidas onde predomina a acomodação, em função do fato que a
criança predominantemente imita o que os outros fazem, especialmente os
adultos; ou seja, ela está mais voltada para apreender o mundo exterior.
A seguir, aproximadamente, entre os dois e os seis
anos de idade, a criança dedicar-se-á aos jogos simbólicos; é a fase que o
autor denomina de pré-operatória. Nesse período, dão-se os jogos simbólicos,
onde predomina a assimilação. São os jogos da fantasia, período em que as
crianças gostam muito de brincar de “faz de conta”. O mundo exterior, então, é
permanentemente “assemelhado” ao mundo interior. Não importa, assim, a
realidade como ela é; o que importa é o que ela pode parecer que é. Um lápis,
que, na realidade, é um lápis, pode ser muitas coisas na fantasia: um cavalo,
um ônibus, um carro, um avião, um barco, ou simplesmente um objeto para ser
mastigado,... É também nesse período que as crianças gostam muito das estórias,
dos contos de fada, das estórias imaginadas; mas, também, fabulam muito, constroem suas próprias
estórias. Criam e recriam personagens e estórias. Esse é o período em que
Piaget diz que predominam os jogos simbólicos.
Os jogos de regras vão predominar a partir dos
seis/sete anos de idade para a frente, período denominado, inicialmente de
operatório concreto (sete aos doze anos)
e, depois, de operatório formal (a partir aproximadamente dos doze
anos). É o período da aproximação e da posse da realidade. Em torno dos cinco,
seis e sete anos, a criança vai se aproximando mais da realidade, onde se
defronta não mais com as fantasias, mas sim, com os próprios dados do mundo
real, o que implica em regras reais que dão forma ao mundo. É nesse período que
Freud situou, especialmente, a manifestação mais plena do Complexo de Édipo,
período onde fortemente as regras e papéis sociais colocam para a criança os
limites das relações sociais. É por essa idade que meninos e meninas iniciam a
brincar com elementos que exigem regras definidas: brincar de casinha, pai mãe,
médico, advogado, enfermeira, etc. Ainda que em forma de brincadeira, são os
elementos da vida real que vem à tona. Daí para
frente as crianças, os pré-adolescentes, os adolescentes e os adultos
jogarão jogos de regras. Esses, como os anteriores jogos auxiliarão a criança,
o adolescente e o adulto aprender a operar com os entendimentos dos raciocínios
abstratos e formais.
Nessa seqüência de possibilidades de jogar ---
exercício, simbólico e de regras ---, a aquisição das habilidades menos complexas servirão de base para as que
exigem elementos mais complexos para o agir. Assim, quem só possui a capacidade
para praticar os jogos de exercício, por si, não terá condições de praticar os
outros tipos de jogos, que exigem estruturas mentais e lógicas mais
desenvolvidas e complexas. Todavia, aquele que já chegou ao estágio dos jogos
simbólicos poderá, perfeitamente, praticar os jogos do estágio anterior (os
jogos de exercício). O mesmo ocorrendo com as outras etapas do desenvolvimento
e seus respectivos jogos. Isso que dizer que quem pode o menos não pode o mais;
porém, quem pode o mais, pode o menos também.
A partir dessas rápidas noções sobre os jogos em
Piaget, podemos concluir que, para este autor, os jogos, como atividades
lúdicas, servem de recursos de autodesenvolvimento. Piaget vê os jogos como
atividades que vão propiciando o caminho interno da construção da inteligência
e dos afetos, na medida em que manteve-se atento a sua permanente pergunta:
como o conhecimento se dá, ou seja, como é construída a capacidade do conhecer,
que é interna?
Tendo por base a compreensão piagetiana dos jogos,
podemos perceber a sua significação para
a vida das crianças, para os pré-adolescentes, para os adolescentes e para os
adultos, na perspetiva de subsidiar o desenvolvimento interno, que significa a
ampliação e a posse das capacidades de cada um. Assim sendo, podemos e devemos
nos servir das atividades lúdicas na perspectiva de obtermos resultados
significativos para o desenvolvimento e formação dos nossos educandos.
Conhecendo a teoria e as suas possibilidades práticas, temos em nossas mãos instrumentos
fundamentais para dirigir a nossa prática, propiciando oportunidades aos nossos
educandos de internamente se construirem. Com essa teoria em nossas mãos,
podemos saber o que fazer com as atividades lúdicas em cada fase de
desenvolvimento de uma criança, um adolescente ou um adulto. Piaget nos ajuda a
não colocar o carro antes dos bois. Faz-nos compreender que é preciso estar
atentos ao tempo e às possibilidades de realizar e incorporar uma determinada
ação.
Enquanto Freud esteve atento mais aos processos
emocionais trabalhados pelo brinquedo e pelo jogo, Piaget esteve mais atento
aos aspectos cognitivos trabalhados por esses mesmos recursos, sem que tenha
descuidado dos aspectos afetivos e morais. Enquanto a psicanálise esteve mais
atenta (não exclusivamente) à reconstrução da experiência emocional, Piaget
esteve mais atento ao processo de construção dos conhecimentos e da
afetividade. Todavia, ambos são de fundamental importância para quem deseja
trabalhar com atividades lúdicas, seja na educação familiar, na educação
escolar, na educação extra-escolar, seja na terapia.
Aqui, também, podemos observar que a atividade lúdica
só poderá trazer a sensação de experiência plena, na dimensão do sujeito que a
vivencia. Praticar jogos de exercício, jogos simbólicos ou jogos de regras só
poderá ser pleno para quem os pratica, mas parece que todos os que os praticam
com inteireza, integridade e presença, chegam a esse cume de sensação de
plenitude, o que nos permite admitir que as atividades lúdicas podem e devem
ser utilizadas como recursos para a busca de um crescimento o mais saudável
possível.
[1] Brinquedo, aqui, deve ser
entendido com um largo espectro de compreensão, que inclui os brinquedos como
objetos materiais, assim como os brincares, tanto os que são transmitidos pela
herança sociocultural como aqueles que a criança inventa e vivencia
espontaneamente a cada momento.
[2] Importa observar que Freud
não se dedicou diretamente ao trabalho psicanalítico com crianças, ainda que
tenha estudado muito o mundo infantil para compreender o adulto. Deixou um
estudo de caso intitulado “Análise da fobia de um menino de cinco anos”, Edição Brasileira das Obras Completas de Sigmund
Freud, Rio de Janeiro, Editora Imago, volume X p. 11-158.
[3] Existem traduções das obras
de Ana Freud e de Melanie Klein pela Imago Editora do Rio de Janeiro.
[4] Bruno Bettelheim, Uma vida para seu filho, Rio de Janeiro,
Editora Campus.
[5] D.W. Winnicott, O brincar e a realidade, Rio de Janeiro,
Imago Editora
[6] Arminda Aberastury, Psicanálise da Criança, Porto Alegre,
Editora Artes Médicas.
[7] André Lapierre, Fantasmas corporais e prática psicomotora,
S. Paulo, Editora Manole; A simbologia do
movimento, Porto Alegre, Editora Artes Médicas; Psicanálise e análise corporal da relação, São Paulo, Editora
Lovise.
[8] Sobre isso, Bruno
Bettelheim, em Uma vida para seu filho,
op. cit., 18a edição, pág. 145-145 diz: “A maior importância da
brincadeira está no imediato prazer da criança, que se estende num prazer de
viver. Mas a brincadeira tem duas faces adicionais, uma dirigida para o passado
e outra para o futuro, como o deus romano Jano. A brincadeira permite que a
criança resolva de forma simbólica problemas não resolvidos do passado e
enfrente direta ou simbolicamente questões do presente. É também a ferramenta
mais importante que possui para se preparar para o futuro e suas tarefas”.
[9] Stanley Keleman, que não é
um psicanalista, mas o criador da Psicologia Formativa, nos lembra que é pela
ação que o ser humano organiza sua experiência e constitui sua forma. Ver, por
exemplo, o seu livro Anatomia emocional, Summus Editoria, SP.
[10] Bruno Bettelheim, em seu
livro Uma vida para seu filho, op.
cit., é muito claro nisso; para tanto, vale a pena ver a II Parte do livro,
intitulada “Desenvolvendo a individualidade”, onde ele faz um longo estudo
sobre a brincadeira e os jogos no processo de formação da individualidade da
criança.
[11] David Boadella, Correntes
da vida, São Paulo, Summus Editorial, 1992, p. 13.
[12] Ver D.W. Winnicott, em O Brincar e a Realidade, op. cit., sôbre
a questão dos fenômenos e dos objetos transicionais.
[13] Iniciei meu trabalho com o
estudo, ensino e com a prática das atividades lúdicas, em 1992. Fazem, pois,
dez anos que venho me dedicando a essa temática.
[14] Jéan Piaget, A formação do símbolo na criança, Rio de
Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1990.
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