sexta-feira, 27 de julho de 2012

Máculas da Alma (REVISTA DA FAEEBA)

( de Walter Fajardo - 23 de junho 2003)
Aos colegas e professores do mestrado da UNEB que, com muita luta e esforço, fazem da sensatez e da perseverança a trilha de uma nova (ou velha) possibilidade.

...assim me torno eu próprio a humanidade;
e se ela ao cabo perdida for, me perderei com ela.
(Goethe)
O que macula a alma não é a dor daquilo que não realizamos
mas o desejo constante e incontido, que do âmago,
transforma-se em febre e destrói nossos sonhos.
O contato com a realidade de coisas mutáveis e insustentáveis.
Frígidas lâminas nos tornam frágeis
e decepam os mais puros desejos e os mais primitivos suspiros.
Irreconhecíveis a nós mesmos!
Nos odiamos se os despertamos ou paralisamos os atos públicos de condenação.
Todos possuem e compartilham olhares comprometedores,
mas passíveis ao cotidiano fosso das cidades, ausentam-se,
ilham-se nas multidões frustradas que se aderem a uma falsa sensação de comunidade
universal.
Não sentem, nem vivem!
No temor latente da aglomeração das tensões, preferem o plástico, o flexível.
Cegam-se!
Em mim toda dor e todo sofrimento se intensificam.
Recolho-me ao que é nato e inato, sem ser redentor,
sem ao menos almejar um possível ato heróico
Amo o mundo e os homens,
amo-os por mim e por eles.
Ainda que odiá-los seja uma propriedade da minh’alma,
é meu desejo amá-los.
Carrego todos os sentimentos
e ouço suspiros temerosos de que as sombras possam ser a eternidade de meus dias
e minhas noites uma escuridão, um betume!
Isso o betume!
Quem sabe o betume do barro preto...
que nos remete a leve sensação de um retorno ontológico, um
lócus,
à fonte emergente donde brotou o
ánthropos.
Preservarei o que há de primitivo, de elementar e de fecundo
Para que do inescrutável, do intangível e da culpabilidade irremediável, possa fluir,
como um regato intermitente,
a outra face,
o oculto,
o imperceptível,
aquilo que ainda não foi dito.
Curvo-me ao tempo
Satisfaço-me em não recorrer aos quantificáveis,
Este é o tempo do incalculável, da não metrificação
Tempo dos fluídos insolidificáveis
Não há retorno, nem volta
Ao olhar, cabe-lhe tudo, todos os espaços
Aos passos, serve-nos caminhar adiante.
Recorro ao barro para compreender o sentido das edificações
e aos oleiros para me impregnar do deleitoso desejo de construir
No inescrutável tateio os eternos limites do saber temporal
No intangível assento-me na possibilidade de uma atitude expansiva e abrangente,
ainda que se apresente como paradoxal.
Na culpabilidade irremediável,
Encontro a angustiante sensação de que algo já poderia ter sido feito
Seguir é o que nos oportuniza. Este é o tempo!
Há uma temeridade, uma nebulosidade que circunda nossos olhares,
A mácula da alma tende a nos atrofiar, a ferir nossos ossos,
a nos tornar pedintes e recorrentes de uma fé que mais purga que liberta.
Se ao tempo sou súdito, rebelo-me contra a submissão de um homem por outro.
Há multiplicidade, há compartimentalização, há códigos indecifráveis,
Mentalidades geneticamente cibernetizadas
Mas há olhares, há homens, mulheres, crianças que todos os dias saem pelas ruas
Cães que vasculham os cantos das cidades
As mãos ainda se entrelaçam e os braços enamorados se envolvem nas noites de frio
Há almas maculadas, como a minha,
que se entristecem em ver
tantos vivos, quase mortos
tantos sorrisos, quase tristes
tantos sonhos, quase pesadelos
Mas que seguem, adiante
Ora cabisbaixo, ora numa alegria utópica e transbordante,
às vezes infantil.
Mas que prefere caminhar
ao invés de sorrir os sorrisos tele-enviados pelas megas inteligências que querem
uma impossível homogeneização.
Nisso eles se fragilizam e nós nos fortalecemos.

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