sexta-feira, 7 de outubro de 2011

XII ENCONTRO NACIONAL DA EPFCL - BRASIL / XI JORNADA DO CAMPO PSICANALÍTICO (FCL -SSA)


 
Textos Preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil
PRELÚDIO 6
RETÓRICAS DA INTERPRETAÇÃO EM LACAN
Christian Ingo Lenz Dunker
O problema da interpretação em Lacan sempre esteve ligado à sua incursão pela retórica. Menos comentado do que a retórica greco-latina é o interesse de Lacan pela retórica indiana e pela retórica chinesa. Tradicionalmente, esse interesse é entendido no quadro do aprofundamento da noção de linguagem em Lacan 1, que o leva a reconhecer, dentro da linguagem, uma autonomia relativa entre os sistemas de escrita e os sistemas de fala.
O psicanalista é um retor (rhêteur), para continuar equivocando diria que ele retorifica (rhêtifie), o que implica que retifica (rectifie). O psicanalista é um retor, quer dizer que “retas” – palavra latina – equivoca com a retorificação (rhêtification). Se procura dizer a verdade. Se procura dizer a verdade, mas isso não é fácil porque há grandes obstáculos para que a verdade se diga. 2
O trecho ilustra bem como a equivocação com a escrita une o tema da interpretação com a forma retórica. Certas línguas orientais se prestam facilmente para o exame desse tema, uma vez que em muitas delas não há correlação direta entre o escrito e o falado. Contudo, pelos textos que Lacan adota por referência, é possível que seu interesse inclua ainda a procura de um modelo alternativo para pensar a ação e a estratégia. A tradição ocidental de reflexão sobre a ação, no contexto da guerra e da política, no qual a noção de estratégia se desenvolveu, enfatizou, desde Aristóteles até Clausewitz (1996) um pensamento por modelos, uma ciência que se expressaria em uma espécie de geometria do movimento entre a eidos e o telos da ação 3 Isso implicou uma dominação da tática pela estratégia e um método baseado na probabilidade média de casos análogos. A teoria da estratégia chinesa deriva de um contexto diferente da fala de um dirigida aos muitos e indeterminados membros da pólis, reunidos pela situação de deliberação. Ela nasce do discurso pessoal dirigido ao imperador de quem se quer obter benefícios e estabelecer influência. Daí que suas noções fundamentais sejam as de situação e configuração, como no jogo de Go, e não como no jogo de xadrez. Deixar a situação agir em seu favor, esta seria uma síntese da estratégia retórica chinesa. A planificação cede lugar à avaliação do potencial de configurações de uma situação. A soberania do espaço é substituída pela primazia do tempo. A melhor imagem para entender a noção de situação não é a do lugar ou da posição, mas a da água, que se movimenta e se conforma às superfícies pelas quais passa. Daí a importância de detectar o antagonismo antes mesmo que ele tome forma, de tal maneira que a batalha esteja decidida antes mesmo de ser iniciada 4. Em outras palavras, é uma estratégia pensada para fazer o outro agir, para incluí-lo em uma situação, para induzi-lo a uma determinada disposição:
[...] é um tratado de anti-retórica: em vez de ensinar a persuadir o outro fazendo-o ver a justeza, ou pelo menos o interesse de nosso conselho, ele ensina a influenciá-lo de tal maneira que, antes de qualquer conselho, ele seja levado espontaneamente a seguir nossa intenção. intenção. 5
A retórica chinesa está baseada na indução de reações, não do cálculo de ações. Não é uma retórica dirigida àquele que fala como o agente de um discurso, mas da incitação ao dizer do outro e da interrogação necessária para levar o outro a dizer a verdade. Este manejo de contrariedades cujo fim é fazer o outro revelar sua situação, é exercido por alguém que se apresenta como um homem sem qualidades 6. Sua posição jamais é a do senhor soberano, mas daquele que se conforma ao real da situação. Encontramos assim, na retórica chinesa, um contraexemplo para a retórica narrativa grega.
1 LACAN, Jacques. - O Seminário, Livro XIX ... ou pior. Edição de Trabalho CEFR, Recife, 1971.
2 LACAN, J. - O Seminário Livro XV – O Ato Psicanalítico, 1965, Cópia de trabalho EFR, 1977.
3 JULLIEN, Philippe - Tratado da Eficácia. São Paulo, Editora 34, 1994. p. 13.
4 JULLIEN, Pjilippe – Tratado da Eficácia, op. cit., p.165.
5 Id., ibid., p.185.
6 Id., ibid., p.220.

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