sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Representação Social

AUTOR: 
EDILEIDE MARIA ANTONINO DA SILVA 
(Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia e Educação Especial, Mestre e Doutoranda em Educação e Contemporaneidade, pesquisadora do Geppe-rs - Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Educação e Representação Social)


O conceito de Representação Social foi trazido ao meio acadêmico por Serge Moscovici, numa retomada que desenvolveu uma teoria das Representações Sociais no campo da Psicologia Social. Foi este francês quem primeiro usou a expressão Representação Social que, no seu estudo, dirigia-se a representação social da psicanálise. Seu objetivo era apresentar os resultados de uma pesquisa em que procurou compreender de que maneira a psicanálise, divulgada pela mídia fora dos grupos específicos, era vista pelos segmentos populares da sociedade.  Jodelet tornou-se a principal divulgadora do trabalho de Serge Moscovici  fazendo, assim, evoluir o conceito de representação social aqui entendido como um saber do senso comum sobre o cotidiano do sujeito.
Celso Pereira de Sá (1996), sobre a explicação teórica das Representações Sociais, diz que
Moscovici (1976), em uma de suas muitas “quase definições” das representações sociais enfatiza o caráter distintivo da dimensão funcional do fenômeno, argumentando que tanto a consideração da gênese social das representações quanto o fato de elas serem socialmente compartilhadas não seriam suficientes para distingui-las de outros sistemas de pensamento coletivo, como a ciência e a ideologia. O termo “representação social” deveria ser, portanto, reservado para aquela modalidade de conhecimento particular que tem por função [exclusiva] a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (p.26) no quadro da vida cotidiana (p.43).
Ainda de acordo com Sá, Moscovici mostra que essa especifica ênfase funcional é justificada quando ele diz que o mais importante na representação social é que ela “produz e determina comportamentos, visto que define ao mesmo tempo a natureza dos estímulos que nos envolvem e nos provocam e a significação das respostas a lhes dar” (ibid.) (p. 43)
Frequentemente o conhecimento científico é colocado em contraposição ao conhecimento popular, o chamado senso comum. Supõe-se que o conhecimento científico traz a verdade mais exata e, o do senso comum, a menos exata. Vale lembrar que é o conhecimento do senso comum que, na maioria das vezes, conduz os comportamentos. Segundo Moscovici (1978), o senso comum deve ser analisado como uma percepção da realidade social, ainda que sob a influência da tradição e dos estereótipos da linguagem. Ornellas(2010) diz que
A representação social é um conhecimento do senso comum e é formada em razão do cotidiano do sujeito. É uma abordagem que se encontra hoje no centro de um debate interdisciplinar, na medida em que se tenta nomear, fazer relações entre as construções simbólicas com a realidade social. (p. 15)
Ou seja, é um olhar direcionado à leitura e compreensão dos símbolos presentes no cotidiano (ORNELLAS, 2010, p.15).  A mesma autora ainda afirma que a teoria conta com a interligação entre cognição, afeto e ação na construção da representação e esta, como um processo mental, reveste-se de um sentido simbólico (2001, p. 34). Tal dito faz compreender que  Representação Social e afetos se entrelaçam na medida em que o sujeito se constitui, a partir do que assimila e interpreta do seu cotidiano.
De acordo com Gama, Santos e Fofoncanuma releitura de Moscovici (1978) a representação social refere-se ao posicionamento e localização da consciência subjetiva nos espaços sociais, e visa conceituar as percepções dos sujeitos. Assim as representações de um objeto social passam por um encadeamento de fenômenos que interagem entre si e constroem uma idéia sobre eles. Foi nessa construção que Moscovici analisou os processos em que os sujeitos elaboraram explicações sobre questões sociais e a ligação que tais elaborações tem com o que é processado pelos meios de comunicação, pelos comportamentos e pela organização social.  Ornellas diz que ao estudar o sujeito em processo de interação com outros sujeitos, a Representação Social
... expressa uma espécie de saber prático de como os sujeitos sentem, assimilam, aprendem e interpretam o mundo, inseridos no seu cotidiano, sendo, portanto, produzidos coletivamente na prática da sociedade e no decorrer da comunicação entre os sujeitos. (2010, p.16)
Assim, pela fala da autora, se percebe que as representações sociais são modelos de pensamento prático, cuja abordagem enfoca situações de interação social e a entrevista é uma delas, sendo ao mesmo tempo uma ferramenta para coleta de dados e um evento de (inter)ação dos sujeitos.
No estudo da representação social deve-se proporcionar ao sujeito a fala e a mostra do seu discurso. A abordagem deve ser qualitativa, pois não se procura mensurar quantidades de pensamento, imagens ou objetos, mas a forma com que estes estruturam o sujeito, buscando essa percepção na apreensão do movimento social e no discurso, que configura também um sistema de interpretação da realidade.

Ser Professor: Bem Me Quer, Mal Me Quer

O exercício docente, na contemporaneidade, tem sido alvo de grandes discussões no que tange aos afetos que provoca no profissional e, consequentemente, em todo o ambiente escolar: a presentificação de bem estar ou de mal estar na escola, o que aqui metaforizei com o bem me quer, mal me quer.  Não raro, no trabalho do professor, é possível presenciar e/ou vivenciar eventos que desencadeiam afetos prazerosos e desprazerosos que demonstram, seja de forma clara ou velada, que o mesmo profissional vive os dois lados da moeda, gozando em fases distintas o bem estar e o mal estar no ambiente em que atua. A díade professor–aluno é o grande cerne da questão: seria o aluno o principal motor para as sensações prazerosas ou desprazerosas que afetam o professor na escola? Ornellas (2010) nos diz que afeto na relação professor-aluno em sala de aula é fundante para o processo de aprender (p.14) e, promover e mediar aprendizagens é o objetivo do professor que, não raro, se vê frustrado nesse seu objetivo.
O horizonte trazido pelo desenvolvimento deste tema é maior que o de perceber quais afetos se inscrevem no exercício do professor; vai além, na busca de perceber quais são os afetos predominantes nas escolas e qual a representação social da escola pública municipal para estes profissionais. Assim, é a partir da investigação sobre quais os afetos circulam dentro deste ambiente escolar que busco compreender qual a representação social que estes atores – professores – tem da escola pública neste início de década. Como afirma Ornellas nesta mesma obra, a escuta do que acontece na escola, nos enlaces feitos, desfeitos e refeitos na relação professor-aluno é marcante para que se perceba que a transferência de afetos entres os pares, neste ambiente, define e determina o clima afetivo ali existente (p.14).
 Partimos do pressuposto que o ser humano vive em busca do prazer e do próprio bem estar. Segundo Freud,
...existe na mente uma forte tendência no sentido do princípio do prazer, embora essa tendência seja contrariada por certas outras forças ou circunstâncias, de maneira que o resultado talvez nem sempre se mostre em harmonia com a tendência no sentido do princípio do prazer   (2006, p.19).
O que leva, então, os sujeitos que fazem a escola acontecer a permanecerem em um clima desprazeroso, quando o natural seria buscar o bem estar, mesmo que matizado de mal-estar?
Sabe-se, como citou Alves e Aredes (2007), que o trabalho humano possui duplo caráter, sendo por um lado fonte de realização, satisfação e prazer, estruturando e conformando o processo de identidade dos sujeitos, podendo, por outro lado, se transformar em elemento patogênico, tornando-se nocivo à saúde. A grande questão a ser respondida é: qual é o lugar em que o professor da escola pública municipal de Salvador se coloca enquanto trabalhador da educação? Qual a idéia que este profissional tem da escola onde atua?
Como em todo trabalho humano, o ofício de professor é um investimento em que se busca retorno prazeroso, tantas vezes não obtido por alguns. O professor é, de fato, de muita complexidade, como disse Nóvoa  (2001). Hoje, ele tem que lidar não só com alguns saberes, como era antes, mas também com a tecnologia e  com a complexidade social, o que não existia no passado, gerando atualmente uma demanda de tempo e saberes não oportunizados a estes profissionais.
Penin e Martinez (2009) em sua pesquisa sobre a profissão docente afirmam que se escuta de professores relatos de angústias e frustrações, de dores e de sentimentos de impotência, nas dificuldades de relacionamento e nas tensões do dia a dia, provocando claramente o mal estar existente na escola, o que implica a construção de uma representação social do espaço escolar cada vez menos positiva.  
Atualmente existem muitos pesquisadores dedicados a identificar os fatores que causam o bem estar e o mal estar no meio escolar, mais especificamente no professor. Outeiral e Cereser (2005), Ornellas (2005), Kupfer (2000), Penin e Martinez (2009), Neves de Jesus (1998), Picado (2009) e Marchesi (2008), dentre outros, trazem estudos sobre este tema ou relacionados. De acordo com Picado (2009), são diversas as perspectivas psicológicas em que o mal-estar docente é estudado, e vão desde o adoecimento psicológico (ansiedade), a discrepância entre o que gostaria de ser e o que realmente é enquanto profissional, até a gestão mal sucedida dos problemas que detecta na situação e os recursos que possui para lhes fazer frente; vê-se, de fato, que o estudo de tais fatores é imprescindível para a melhoria da qualidade da educação e para a definição do bem estar, ou mal estar, do professor e dos demais personagens que circulam pela escola.
Assim como Penin e Martinez, existem outros estudiosos que estão focando a questão do bem estar do professor, numa tentativa de enfatizar os aspectos positivos da profissão, trazendo à tona os indícios de afetos gratificantes e prazerosos na perspectiva de saber conviver com os afetos desprazerosos estabelecidos neste exercício. Não cabe permitir que indicadores negativos encubram aspectos que comprovam a existência de prazer na profissão, pois são exatamente estes aspectos positivos que estimulam a prática de qualidade; identificar os motores deste bem estar é de extrema relevância, pois ativá-los e promover seu exercício proporciona ao professor condições favoráveis à resolução de questões pessoais e profissionais, tornando-o um bom gestor de conflitos, inclusive dos seus, para que possa gozar de forma saudável os afetos ambivalentes suscitados na sua prática, descobrindo assim a dor e a delícia de ser professor.
Constata-se que poucas profissões no Brasil tem sido tão debatidas quanto a docente, especialmente o Ensino Fundamental. Cortizo investe numa pesquisa cujo objeto passa pela análise dos efeitos da escuta dada ao professor; negada esta escuta, a autora mostra que o
...professor acaba sintomatizando no corpo o que a fala não foi capaz de verbalizar, o que, em certa medida, se torna manifesto nas relações que tece com o aluno...” (2010, p. 203-204).
A mesma autora pesquisa a libido e a ausência desta no fazer pedagógico do professor. Lapo também investe na pesquisa do bem estar, e seu trabalho teve como principal objetivo identificar os fatores e compreender as dinâmicas que geram e mantém o bem estar docente, bem como reconhecer o que motiva o desencanto da profissão. Jesus (1998) apóia a sua obra na análise dos fatores principais que promovem a segurança e o prazer do professor no seu exercício profissional.
Pela quantidade de estudos atuais sobre a questão do mal estar do professor, consideramos necessário investigar se este sintoma é refletido em todo o ambiente escolar; percebemos como exigência analisar o oposto: o bem estar docente, que tanto é reflexo como pode também fazer reflexo para a comunidade escolar, tornando-a um espaço equilibrado nos seus afetos prazerosos e desprazerosos. É este circular por esta ambivalência de afetos que valida esta pesquisa, pois não raro o professor vive sentimentos opostos de prazer e desprazer no seu exercício, o que foi claramente constatado nas investigações, e que determina a representação social da escola para este profissional.
Segundo J.M. Esteve (1999, p. 25), o mal estar docente é como “os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas em que se exerce a docência". Mais que isso, o mal estar na escola é um reflexo do mal estar do professor, que é uma resposta ao estresse, a insatisfação salarial, o absenteísmo que, em muitos casos, leva à depressão. A docência se constrói num continuum e envolve, além dos aspectos acadêmicos, as experiências pessoais de cada sujeito, suas representações e seus afetos. É um caminho mediado pela continuidade e pela descontinuidade das vivencias pessoais e profissionais.
De acordo com Picado (2009), o mal estar docente refere os sentimentos de desmoralização, de desmotivação ou de desencanto que emergem nos professores. Resta saber o que desencadeia estes indicadores.
Sabemos que normalmente as experiências negativas ocorridas na escola são amplamente divulgadas, corroborando para intensificação deste mal estar tão fortemente sentido e discutido. Já as experiências positivas...  Os projetos que avançaram, os atos de boa vontade e as demonstrações de afetos prazerosos, estes ficam ocultos.  E, nesse fazer pedagógico, Eros e Thanatos se enodam trazendo à tona afetos opostos que vão e vem, pendularmente, no mesmo sujeito, construindo a sensação de que tudo pode ser resolvido num despetalar de margaridas: bem me quer, mal me quer.

Possíveis (In)Conclusões

O sujeito nasce na trama desejante, marcado pela falta e não pela plenitude, mas a busca por atingir tal plenitude é o que move incessantemente os sujeitos. Assim, questionamos sobre os aspectos motivadores para o fazer pedagógico e sobre os inibidores deste mesmo fazer, chegando à conclusão que, mesmo com tantas falas sobre o mal estar existente nas escolas, professores são sujeitos que buscam afetos positivos nas suas relações com todos os atores que circulam no ambiente escolar, principalmente com o aluno. Para o professor, a escola é um ambiente de aprendizagem e crescimento, onde pode haver harmonia e predominância de afetos prazerosos. O professor busca, de fato, afetos positivos em seu trabalho; quando os encontra, seu estilo de ensinagem doura-se num brilho que se reflete em todos os atores deste espaço. No entanto, quando não há predomínio destes afetos positivos, a escola municipal torna-se um ambiente hostil. Aqui se procurou identificar os afetos ambivalentes que movem os professores das escolas da rede pública municipal de Salvador em seu trabalho e na relação professor-aluno no processo de ensinar e aprender, observando a relevância dos afetos imbricados nesta relação como fator preponderante para a construção e manutenção de um clima de afetos prazerosos na escola.

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Psicologado - Artigos de Psicologia 
Fonte: http://psicologado.com/atuacao/psicologia-escolar/bem-me-quer-mal-me-quer-o-professor-e-a-representacao-social-da-escola#ixzz36XhCJjd2 
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