Sonata de Outono (Ingmar Bergman, 1978)
“Mãe e filha. Que mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição.”
O outono é a estação do ano caracterizada pela queda das folhas e renovação da vegetação; é quando as árvores se preparam para ganhar nova “cara”, novas folhas e frutos com a chegada da primavera. Mas enquanto não é chegada a estação das flores, as árvores permanecem por um bom tempo na direta situação de nudez aparente, onde podem ser vistas como são, sem enfeites, sem cores, sem máscaras. Foi esta a estação escolhida pelo cineasta sueco Ingmar Bergman para servir de pano de fundo para a história de duas mulheres que se preparam para deixar o que é aparentemente belo de lado e mergulharem na crueza do feio _ e que, na maior parte das vezes, é também mais verdadeiro. Sonata de Outono, a história do reencontro de mãe e filha após um hiato de 7 anos que acaba convergindo para uma dura batalha de verdades e ressentimentos, é mais um filme/estudo de Bergman sobre as relações do ser humano e a maneira como lidamos com nós mesmos.
O outono é a estação do ano caracterizada pela queda das folhas e renovação da vegetação; é quando as árvores se preparam para ganhar nova “cara”, novas folhas e frutos com a chegada da primavera. Mas enquanto não é chegada a estação das flores, as árvores permanecem por um bom tempo na direta situação de nudez aparente, onde podem ser vistas como são, sem enfeites, sem cores, sem máscaras. Foi esta a estação escolhida pelo cineasta sueco Ingmar Bergman para servir de pano de fundo para a história de duas mulheres que se preparam para deixar o que é aparentemente belo de lado e mergulharem na crueza do feio _ e que, na maior parte das vezes, é também mais verdadeiro. Sonata de Outono, a história do reencontro de mãe e filha após um hiato de 7 anos que acaba convergindo para uma dura batalha de verdades e ressentimentos, é mais um filme/estudo de Bergman sobre as relações do ser humano e a maneira como lidamos com nós mesmos.
Para retratar a atmosfera outonal, Bergman mais uma vez contou com o
primoroso trabalho de Sven Nykvist, criando na fotografia um aspecto
impressionista, ainda ressaltado pelos figurinos e a direção de arte,
baseados no vermelho, amarelo e verde, cores características da estação.
Bergman assina aqui também os planos mais recorrentes de sua carreira
pois Sonata de Outono, apesar do tom teatral e de se passar em
basicamente um único ambiente, é cinema em sua forma mais pura, com os
típicos closes fechados nos rostos das atrizes e as tomadas de perfil
que desvendam um tanto mais do que aquele personagem é. Mas são os
assuntos abordados que fazem do filme uma espécie de resumo da obra de
Bergman, já que é possível encontrar aqui toda a gama de temas que
sempre perturbaram e pontuaram a carreira do diretor e que fizeram de
seus filmes uma eterna busca pela compreensão de si mesmo. Da infância
traumática, matriz de todos os problemas da vida adulta, à citação da
existência e importância de Deus, Bergman pontua o drama de mãe e filha
como todos seus dilemas pessoais e que, por sua vez, acabam tornando a
história ainda mais densa e verdadeira. É quando percebemos que estamos
diante de uma narrativa baseada no sentimento do ser humano que clama
por amor mas que acaba gerando _em si e nos outros_ uma dor quase
irremediável, capaz de acompanhar por toda uma vida, perpetuada pelo
medo, a culpa e a busca pelo perdão redentor.
Porque Sonata de Outono é sobre o amor.
Aquele amor que todos dizemos ter e que, orgulhosos, usamos em palavras
fáceis e discursos calorosos, num auto-engano recorrente e gradativo. O
amor que Charlotte (Ingrid Bergman) diz ter por sua filha Eva (Liv
Ullmann), mas que soa tão superficial como em todas as vezes em que ela
necessita ser reafirmada diante de quem está ao seu redor. Quando sua
filha diz estar feliz dando aulas na paróquia local, Charlotte cita o
fato de ter feito uma turnê de sucesso em escolas americanas, tocando
para milhares de alunos, ressaltando o clima de competição que
estabelece com Eva. É essa necessidade que faz dela um personagem forte e
fraco ao mesmo tempo, sempre buscando uma fuga mais simples. Mostrar o
que sente seria difícil demais, portanto Charlotte acaba optando pela
superficialidade de uma provável alegria, por fingir diante dos outros o
que estaria passando dentro dela. Como quando reencontra sua filha
vítima de uma doença degenerativa, Helena, e se mostra capaz de fazer
promessas que claramente não poderá cumprir. E mesmo estando só em seu
quarto, refletindo sobre o acontecimento, Charlotte se pega num
paradoxal discurso de amor e raiva, ainda mais por Eva tê-la feito
passar por tal constrangimento. Ela se vê incapaz de admitir um
sentimento isento de raiva ou cobrança por sua filha e acaba atribuindo a
Eva sua maneria errônea de agir. Sendo assim, para ela é justificável
seu sentimento dúbio e acaba seguindo se enganando e tentando enganar os
outros. Sorrisos são dados, olhares são lançados e palavras são
caladas. Foi dessa maneira que Charlotte conduziu sua vida e “amou” as
pessoas com quem convivia: Leonardo, seu amigo recém-falecido, foi digno
de seus cuidados nos momentos finais mas não obteve uma lágrima sequer
ao ser relembrado por ela; seu marido, complacente e compreensivo,
recebeu palavras elogiosas em cada citação, mesmo que durante a vida em
comum só tenha sido presenteado com ausência e traição; Helena foi
abandonada quando pequena mas ganhou um relógio de pulso da mãe quando
do reencontro _certamente para contar todas as horas que lhe prendem a
uma vida morta; e Eva, que sempre amou e admirou incondicionalmente a
mãe quando criança mesmo recebendo em troca a mais completa indiferença,
foi agraciada com uma infância impossível e nela a não eminência do
desenvolvimento. Foi em Eva que Charlotte mais despejou seu falso amor e
dele fez nascer um ódio grandioso e assustador.
Porque Sonata de Outono é sobre o ódio.
Porque Sonata de Outono é sobre o ódio.
O ódio que Charlotte enxerga nas palavras de Eva quando esta finalmente
se vê livre para dizer tudo que manteve guardado durante toda a vida. O
ódio que acusa mas que, como Eva cita em determinado momento, não pode
ser diminuído diante do ódio da própria Charlotte. Aquele que a fez
tomar tantas medidas com relação à filha e machucá-la quase que de
maneira irreparável. A constatação de Eva de que seria na sua
infelicidade que a mãe encontrava seu triunfo não deixa de ser
verdadeira _ e abominável_ levando-se em conta toda a necessidade de
Charlotte de se sobressair diante da filha. No momento em que Eva se
dispõe a tocar um prelúdio de Chopin, admitindo de antemão uma certa
deficiência de técnica, é impossível para Charlotte não viver um misto
de sensações: ao observar a filha tocando, ela não esconde no olhar a
decepção diante da não-perfeição; mas ao olhar diretamente para o rosto
de Eva, Charlotte acaba demonstrando certa compaixão, ainda que isso não
a esquive de citar todos os erros cometidos por Eva em sua
interpretação, mesmo que esteja ciente de ser a responsável por causar
uma imensa dor na filha.
Porque Sonata de Outono é sobre a dor.
Porque Sonata de Outono é sobre a dor.
É sobre um prelúdio de Chopin, interpretado de forma fria e racional por
Charlotte, capaz de abdicar das sensações diante da busca pela
perfeição. Ela ensina para Eva: “Há dor mas sem parecer. Depois um breve
alívio. Mas ele some de repente, e a dor continua a mesma.” E ao
começar a dedilhar no piano tem sobre intensa observação o olhar de Eva,
atenta à técnica que a mãe esbanja e constatando assim sua aparente
derrota em mais uma batalha emocional. Mas quando o olhar de Eva é
direcionado ao rosto da mãe (exatamente como aconteceu na cena anterior,
só que em posições opostas), o que percebemos é toda a amargura
reprimida por ela e que acabou gerando uma espécie de medo da figura da
mãe.
Porque Sonata de Outono é sobre o medo.
Porque Sonata de Outono é sobre o medo.
O medo que Eva tinha da mãe quando criança e que a fazia não dizer nada,
mesmo quando desejava intensamente. E vindo desse medo, a incapacidade
de comunicação, a dificuldade de expressão e a aceitação do que lhe era
dado. Por conta disso, Eva acabou se tornando uma mulher incapaz de
questionar muito as coisas que lhe aconteciam, sendo muito mais
espectadora da própria vida do que protagonista da mesma. E Bergman
acaba dando a real dimensão dessa situação nos flashbacks que são
inseridos ao longo do embate de Eva e Charlotte, quando somos
transportados para a infância de Eva (volto a dizer, a origem de todos
os problemas emocionais do ser humano, como em todo filme de Bergman)
mas não participamos dos acontecimentos ativamente; o que é dito não
pode ser ouvido e acabamos mantendo, através da câmera sempre parada e
em plano aberto, uma distância considerável do que está sendo retratado.
Como se aquilo realmente só pudesse ser visto e não reparado. E assim,
numa bola de neve de impossibilidades, os personagens vão se tornando
cada vez mais incapazes de se comunicarem e sentirem. O marido de Eva
não sabe como dizer para a mulher que a ama, Charlotte diz que sempre
necessitou do carinho da filha mas que encarava o amor desta como
exigências, e Helena assume o papel alegórico da mais completa
impossibilidade de comunicação, ficando isolada à dependência da irmã
para estabelecer qualquer contato com a mãe. E sendo a doença de Helena,
mais que uma metáfora da destruição da relação familiar, a culpa
incutida no futuro de Charlotte.
Porque Sonata de Outono é sobre a culpa.
Porque Sonata de Outono é sobre a culpa.
A culpa do ser humano em não perceber o que está ao seu redor, de deixar
passar o que não tem mais retorno e que acaba abrindo caminho para uma
único desfecho aparente: a solidão. A negligênica de Charlotte com
relação à família em detrimento da carreira, a levou a uma vida de
sucesso e riquezas. Mas nem ela é capaz de negar que sente falta de um
lar quando está longe, ainda que não saiba o que poderia buscar lá.
Talvez por Charlotte nunca ter tido um lar verdadeiro, seja ele físico
ou emocional. E a dor perene nas costas que acompanha a pianista acaba
sendo reflexo da própria culpa pelo abandono de si e dos outros. A perda
do que lhe poderia ser caro desperta em Charlotte uma necessidade de
redenção, a tentativa de algo que lhe isente da culpa eterna. E nesse
âmbito, a perda dela poderia ser relativizada diante da perda de Eva: o
próprio filho, morto num afogamento. Mas Eva se mantém ligada ao filho
(o que não deixa de ser interessante nessa fase de Bergman, mesmo depois
de ele ter negado a existência de Deus, em Luz de Inverno) e acredita
que ele continua vivo em algum tipo de plano paralelo. Em determinado
momento ela diz para a mãe que: “É medo e presunção acreditar em
limites. Não existem limites, nem para os pensamentos, nem para os
sentimentos.” Resta a Charlotte realmente acreditar na existência de uma
mudança que a possibilite o perdão pelos erros cometidos.
Porque Sonata de Outono é sobre o perdão.
Porque Sonata de Outono é sobre o perdão.
Ou sobre a não possibilidade dele, já que certas coisas não tem mais
volta e algumas mágoas são eternas. A vida de Eva ou de Helena não
poderia mais ser mudada por conta de um arrependimento da mãe, ainda que
este fosse verdadeiro. E no caso de Charlotte, a necessidade de ser
perdoada seria o que lhe restava para se manter ainda próxima de uma
certa humanidade, mas até que ponto ela realmente estaria disposta a
mudar? Todas as revelações e verdades são culminadas na mais dura fala
de todo o longa, quando Eva diz á mãe sobre o que aconteceu entre Helena
e Leonardo e o estado daquela diante da partida deste, ocasionada por
culpa de Charlotte e, obrigada a constatar a dura realidade, fulmina:
“Não há desculpas. Só há uma verdade e uma mentira. Não pode haver
perdão.”
No pragmatismo aparente se encerraria mais uma obra-prima de Ingmar Bergman, mas cabe lembrar que o filme é sobre o outono, e que a estação tem fim. Com a queda das folhas, as árvores acabam sendo reveladas em sua essência mais crua e feia. Mas ainda que as folhas caídas não possam mais retomar vida nas árvores e fiquem perdidas no chão, em algum momento a primavera virá e com ela o nascimento de novas folhas e novas possibilidades de cores. Porque Sonata de Outono é sobre a esperança.
Preste atenção: Em toda a intensidade da seqüência de execução do prelúdio de Chopin, uma das mais belas _e fortes_ cenas de toda a história do cinema. Amparado pelas brilhantes interpretações de Liv Ullmann e Ingrid Bergman, Ingmar Bergman permite que suas atrizes expressem com uma economia assustadora de gestos, faciais ou corporais, todo o turbilhão de sentimentos que se passa com aquelas mulheres. E fora que Chopin é Chopin…
Porque não perder: Primeiro e único filme de Ingrid Bergman com seu compatriota Ingmar Bergman; a melhor interpretação desta que foi uma das maiores estrelas da história do cinema; uma das maiores interpretações da maior atriz da história do cinema (na minha opinião), Liv Ullmann; o melhor (e olha que afirmar isso é muito complicado) filme do maior diretor da história do cinema…é muito “melhor da história” para perder, não concorda?
No pragmatismo aparente se encerraria mais uma obra-prima de Ingmar Bergman, mas cabe lembrar que o filme é sobre o outono, e que a estação tem fim. Com a queda das folhas, as árvores acabam sendo reveladas em sua essência mais crua e feia. Mas ainda que as folhas caídas não possam mais retomar vida nas árvores e fiquem perdidas no chão, em algum momento a primavera virá e com ela o nascimento de novas folhas e novas possibilidades de cores. Porque Sonata de Outono é sobre a esperança.
Preste atenção: Em toda a intensidade da seqüência de execução do prelúdio de Chopin, uma das mais belas _e fortes_ cenas de toda a história do cinema. Amparado pelas brilhantes interpretações de Liv Ullmann e Ingrid Bergman, Ingmar Bergman permite que suas atrizes expressem com uma economia assustadora de gestos, faciais ou corporais, todo o turbilhão de sentimentos que se passa com aquelas mulheres. E fora que Chopin é Chopin…
Porque não perder: Primeiro e único filme de Ingrid Bergman com seu compatriota Ingmar Bergman; a melhor interpretação desta que foi uma das maiores estrelas da história do cinema; uma das maiores interpretações da maior atriz da história do cinema (na minha opinião), Liv Ullmann; o melhor (e olha que afirmar isso é muito complicado) filme do maior diretor da história do cinema…é muito “melhor da história” para perder, não concorda?
4/4
Thiago Macêdo Correia
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